Após décadas, ourivesarias ainda resistem em Juazeiro do Norte

A realidade atual é diferente do cenário exibido na década de 1970, quando o município contava com mais de 700 fábricas. As grandes indústrias instaladas na região afetaram o segmento, e profissionais tiveram que se adaptar

Escrito por Antonio Rodrigues , regiao@verdesmares.com.br
Legenda: No Centro da cidade, em pequenas garagens, os ourives mantêm a produção de anéis, alianças e cordões de ouro e prata
Foto: Foto: Antonio Rodrigues

No Centro da cidade, em pequenas garagens, os ourives mantêm a produção de anéis, alianças e cordões de ouro e prata Helton de Melo Fabrício trabalha com ouro desde os 14 anos de idade Fotos: Antonio RodriguesSegundo a narrativa popular, a tradição da produção de joias em Juazeiro do Norte vem da época de Padre Cícero. "Em cada sala, um altar. Em cada quintal, uma oficina". A frase teria sido dita pelo sacerdote para incentivar a produção artesanal no povoado que, em 1911, se emancipou. Os romeiros que chegavam estavam sempre ocupados com alguma atividade, e a cidade foi crescendo com "vocação" para o trabalho.

Uma dessas atividades está relacionada ao comércio de ouro, iniciado em meados de 1960. O auge da ourivesaria foi na década de 1970. Estima-se que mais de 700 pequenas fábricas funcionavam no município. Hoje, apenas 30 ainda resistem. Os mais antigos contam que Juazeiro do Norte recebia muitos visitantes para casar, já que consideravam o local uma terra sagrada. Inclusive, a cerimônia deveria ser realizada pelo próprio "Padim". Como, muitas vezes, eles não tinham as alianças, o pároco incentivou a criação das oficinas.

A matéria-prima chegava ao povoado através de romeiros, que trocavam os metais preciosos por produtos artesanais. Além disso, muitos moradores viajavam, principalmente, para a região Norte, à procura de trabalho no extrativismo. No retorno, traziam ouro do Pará e Maranhão.

Legenda: Helton de Melo Fabrício trabalha com ouro desde os 14 anos de idade
Foto: Fotos: Antonio Rodrigues

No Centro da cidade, principalmente nas ruas São Pedro e São Paulo, na década de 70, muitas oficinas ocupavam de um lado ao outro. Um trabalho feito, em sua maioria, sem muita sofisticação. Porém, nas últimas duas décadas, o mercado mudou com os importados e as indústrias de semijoias - os folheados. Mais baratos, já que utilizam metais comuns como estanho, latão e cobre, que passam por um processo químico de lavagem e banho, esses produtos também ganharam o mercado nacional. Atualmente, há cerca de 40 grandes indústrias em Juazeiro do Norte, que é o principal polo de distribuição deste setor no Nordeste.

Porém, quase como ato de resistência frente às gigantes indústrias, os ourives mantêm a produção de anéis, alianças e cordões de ouro e prata em pequenas garagens instaladas no Centro da cidade. Um pequeno núcleo se formou nas ruas São Cândido e Delmiro Gouveia, com cinco e oito oficinas, respectivamente, cada uma com dois a quatro trabalhadores. No Mercado Central, mais algumas estão instaladas.

Mas, a artesania já foi maior. "Da Rua São Pedro até metade da São Luiz só havia oficinas de ourives. E era oficina grande, com 20 a 30 homens trabalhando", conta Vantuir Ribeiro de Melo, que herdou a profissão do pai.

O ourives acredita que a queda no número de oficinas se deu pelo desenvolvimento de maquinários novos. "A gente trabalha mais artesanalmente", pontua. Contudo, alguns colegas começaram a produzir também o folheado para se manter no mercado. "A gente tinha equipe de vendedores. Eram de quatro a seis carros viajando. Levava para o Maranhão, Pará, Pernambuco, Paraíba, Bahia, Tocantins", diz.

Hoje em dia, os pares de alianças para casamentos e anéis de formatura, sob encomenda, mantêm o negócio aquecido. O preço varia. O grama do ouro bruto, por exemplo, custa cerca de R$ 160 a R$ 180. Já o chamado "ouro quebrado", oriundo de peças que as pessoas se desfazem para ser derretidas, fica em torno de R$ 100 a R$ 110 o grama. Geralmente, o material vem de outros estados.

Herança

Antônio Joaquim Fabrício Neto, de 51 anos, entrou em uma oficina de joias, pela primeira vez, aos 12 anos para trabalhar varrendo o chão, a pedido de seu pai, que não queria vê-lo no serviço de roça. Aos poucos, foi aprendendo o ofício e montou sua própria fábrica artesanal. "No tempo que comecei, era muito farto, trabalhava com muito ouro. Sempre tinha gente que comprava peças e viajava. Hoje, só viajam com folheados", lamenta.

No pequeno balcão, fabrica anéis e correntes em dois a três dias de serviço. "Agora tá bem fraco", pontua. Ao seu lado, trabalha o filho Helton de Melo Fabrício, 25, que também começou cedo, aos 14 anos, como auxiliar. Quatro anos depois, já maior de idade, foi trabalhar numa fábrica de folheados, saindo anos depois para voltar ao modo artesanal de fazer joias. "É melhor trabalhar pra gente, mesmo ganhando um pouco menos, do que para os outros. Não fica tão sufocado, trabalho mais à vontade", justifica.

Em sua mão e no pescoço, Helton ostenta algumas de suas peças: uma corrente de ouro e um anel. "A gente mesmo expõe nossos produtos", brinca.

Para inovar, há um ano, o jovem ourives colocou uma máquina de cartão de crédito, entendendo que os produtos são caros e isso facilita as vendas. "Aqui tá dando certo. É devagarinho. A gente trabalha mais por encomenda. Como o ouro é caro, estão comprando na prata", conta.

Para conseguir um preço mais em conta, um de seus clientes compra na prata, dá um banho no ouro e revende as peças artesanais. Durante a semana, Helton entrega de sete a oito produtos. O movimento maior acontece a partir do Carnaval e continua até o meio do ano. "É quando compram mais", finaliza.

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