Agroecologia garante o reflorestamento

Escrito por Redação ,
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Foto: Natércia Rocha
Famílias da Serra da Meruoca dizem não à degradação ambiental e sim ao reflorestamento por meio da agroecologia

Meruoca. Há centenas de anos o homem vai devastando a natureza em nome de uma pseudoevolução alcunhada de “desenvolvimento”. Cifras milionárias, acúmulo de bens e poder de barganha são algumas características da sociedade do capital que cobra preços altos pela expansão e manda conta e prejuízo, literalmente, para os ares.

Entramos na era da tecnologia. O homem do terceiro milênio, poderoso, polido e audaz, envia naves ao espaço sideral com a habilidade que devasta a natureza em proporções industriais.

Mas o meio ambiente dá sinais de cansaço. Aos poucos, ele devolve o troco em desequilíbrios climáticos, poluição, estiagens, inundações, queimadas, todos juntos, funcionando como uma espécie de ferrugem na engrenagem do Planeta Terra. Enquanto milhares seguem cegos para o abismo da destruição, outros milhões abrem os olhos para buscar alternativas de proteger a vida.

Mas a escalada é longa e é preciso galgar degrau a degrau. O Diário do Nordeste foi conhecer uma pequena comunidade, encravada no interior da Serra da Meruoca, distante 18 quilômetros de Sobral, onde agricultores estão mudando a trajetória de devastação trilhada por seus antepassados.

Eles tomaram as rédeas da situação, decidiram parar de desmatar e queimar a vegetação nativa e agora praticam uma espécie de desenvolvimento rural sustentável, com ações de reflorestamento, sucessão natural das espécies vegetais, beneficiamento e práticas sustentáveis fundamentadas na agroecologia.

É uma ação pequena, se analisada no contexto mundial, mas que vem, de fato, transformando a realidade de cerca de 50 famílias que hoje produzem alimentos saudáveis através do uso racional de recursos.

É um exemplo a casa de Sebastião Barbosa da Silva, morador do Sítio Santo Elias, localidade onde mora com mais umas 250 pessoas. Filho de comboieiro, desde criança acompanhava o pai, pés descalços, por 18 quilômetros até Sobral, levando cargas de farinha, manga ou milho na cabeça e no lombo de jumento. Ele lembra que, naquele tempo, bom pai de família era o que desmatava tudo e deixava o terreno bem limpinho. “Nossa cultura aqui era pegar uma foice e sair derrubando mata. A gente esperava engrossar pra meter a foice. A prova de que foi tudo devastado é que só tem capoeira”.

Mas os tempos mudaram. Hoje, nas terras de seu Sebastião, ninguém queima uma folha, nenhuma árvore é derrubada, nada de agrotóxico é usado. E dona Dorinha, sua esposa, faz justiça aos antepassados lembrando que a devastação era feita por pura falta de conhecimento. “Era o que eles sabiam fazer e achavam que era a coisa certa. Eles tinham muitos filhos e precisavam do roçado, era tudo criado com colheita da roça”. De fato. A mãe de Sebastião teve 22 filhos. Ele e Dorinha tiveram sete. E os netos não passam de três em cada novo núcleo familiar constituído. Desde que conheceu a nova prática ecológica, a família vem mudando os hábitos.

Meruoca. Mesmo com a cultura do desmatamento, alguns poucos produtores das comunidades da Serra da Meruoca, há mais de um século vinham trabalhando embriões de modelos agrícolas florestais e se organizando em cooperativas e associações. Foi nesse contexto que, vendo os olhos d’água desaparecerem nos serrotes, moradores abriram as porteiras para receber técnicos do Instituto de Ecologia Social Carnaúba, que buscavam um local para testar experiências agroecológicas, focadas nos Sistemas Agroflorestais (Safs).

O projeto é abrangente e conta com apoio do Projeto Demonstrativo (PDA), do Ministério do Meio Ambiente (MMA), com cooperação financeira das instituições alemãs GTZ/KFW e MISSERIO, do Ibama de Sobral e do Comitê da Bacia Hidrográfica do Acaraú. Além disso, o governo federal, através do Banco do Nordeste, há dois anos libera crédito pelo Pronaf Agrofloresta, com juros de 1% ao ano, para o novo manejo

Recuperação de área

De acordo com o membro do Instituto Carnaúba, Francisco Osvaldo Aguiar, estão sendo trabalhados 10 hectares de sistemas agroflorestais, em 10 propriedades do município de Meruoca, inicialmente nos sítios Santo Elias e São Francisco. “Estamos recuperando Áreas de Proteção Permanente (APP) com base no tripé ecologia, economia e sociedade”, ressalta Osvaldo.

O projeto de Sistemas Agroflorestais na Meruoca é demonstrativo. A idéia do Instituto Carnaúba é desenvolver trabalhos de educação ambiental, recuperar encostas de morros, tratar margens de rios e, posteriormente, reproduzir a prática em outras serras do Ceará. “Temos 35 municípios no Estado com áreas úmidas, todas em processo de degradação profundo. O Maciço de Baturité, desde 1996, tem experiências bem sucedidas com café ecológico. Agora estamos ampliando para a Meruoca. Esse trabalho também fortalece a luta pela implantação da Área de Proteção Ambiental (APA) da Meruoca”, destaca o técnico especializado em Agroecologia.

Para ter dimensão da importância do lugar, no Sítio Santo Elias ficam cinco nascentes do riacho que abastece o Açude Acaraú Mirim, em Massapê, grande contribuinte de água para o Rio Acaraú.

Moradores do Sítio Santo Elias estão colhendo frutos da nova experiência. Organizados na Associação Comunitária Coração de Maria, eles conseguiram convênio com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Hoje, a produção mensal de 1.200 quilos de polpa de frutas, colhidas no quintal de casa, está com venda antecipada para fornecimento da merenda das escolas do Município e para restaurantes em Sobral. Os três congeladores na sala estão abarrotados do produto e as máquinas, despolpadeira e seladora, usadas comunitariamente, não param de trabalhar. “Nós temos R$ 30 mil em caixa para trabalhar polpa, doce, verdura natural, galinha caipira, óleo de babaçu, de um tudo a gente faz”, ressalta seu Sebastião, comemorando os resultados.

NATERCIA ROCHA
Repórter

SAIBA MAIS
Comunidades

O projeto Implantação de Sistemas Agroflorestais (Safs) para Áreas Úmidas do Estado do Ceará é realizado nas comunidades Santo Elias e São Francisco, na Serra da Meruoca (CE), distante 250 quilômetros de Fortaleza.

Questões

São 10 propriedades inscritas e, em cada uma é implantado um Saf, onde são trabalhadas questões ecológicas, econômicas e sociais.

Desenho

O Sistema tem desenho produtivo de acordo com a necessidade da família. Os trabalhos abrangem produção de mata nativa, recuperação de áreas degradadas e cobertura vegetal da Serra da Meruoca.

Café

Como produção econômica, além do plantio de fruteiras, foi introduzido café sombreado e pimenta do reino em baixo da floresta (das árvores)

Inclusão

. Existe ainda a produção de polpas de frutas, torrefação de café, do babaçu, da castanha de caju e da banana, objetivando a inclusão social das mulheres e dos jovens.

Feiras

Para inserir o agricultor no mercado, são realizadas feiras de agricultura familiar nos minicentros de vendas, localizados na beira da estrada da Serra da Meruoca.

Mutirões

Como parte do trabalho, foram realizados mutirões de limpeza nas propriedades, para minimizar o acúmulo de lixo produzido na área rural, onde não há coleta pública.

ENQUETE
Harmonizar ecologia, economia e sociedade

Débora Rodrigues Oliveira - Estudante de Biologia da UVA
´Todos temos que cuidar da natureza. O trabalho na Meruoca é importante pela preservação e pela solidariedade´.

Osvaldo Aguiar - Técnico em Agroecologia
´Estamos recuperando Áreas de Proteção Permanente (APP) com base no tripé ecologia, economia e sociedade.´