Vereadores já travam disputa por votos nos bairros de Fortaleza

Campanha eleitoral só começa oficialmente em 2020, mas o clima de "caça ao voto" com pré-candidatos lutando por novos espaços já atinge diversos locais

Escrito por Miguel Martins ,

Eleição municipal de 2020 já desencadeia várias disputas pelos territórios do voto, incitando desavenças políticas em Fortaleza. Todos os 43 vereadores da Câmara Municipal já percorrem os bairros da capital cearense, a fim de solidificar suas bases de apoio, embora o início oficial da campanha eleitoral só ocorra no segundo semestre do ano que vem.

Nos bastidores da Casa legislativa, posicionamentos de alguns parlamentares refletem o acirramento da corrida para garantir seus redutos. Alguns reclamam da "invasão" por seus pares e até por autoridades ligadas à gestão do prefeito Roberto Cláudio (PDT) nos bairros nos quais fizeram carreira política.

'Constrangimento'

O vereador John Monteiro (PDT) é um dos que reclamam das investidas de aliados em seu reduto eleitoral (Mucuripe, Vicente Pinzón e Cais do Porto). Na sua avaliação, o pleito do próximo ano será mais difícil, já que não haverá espaço para coligações entre os partidos. "Nossos opositores não estão fora, mas dentro do partido. Isso gera constrangimento na base do Governo, no partido do prefeito", diz.

Monteiro minimiza o problema com um integrante da administração municipal, dizendo que uma eventual candidatura dele "não interfere em nada para mim. O sol brilha para todo mundo".

Outro caso de alegada "invasão" de bases eleitorais foi noticiada pelo Diário do Nordeste no último dia 4 de maio. A entrada de Lúcio Bruno, coordenador especial de Articulação Política da Prefeitura, na disputa a uma das 43 cadeiras da Casa também gerou incômodo na base governista.

Uma copa de futebol, no bairro Pirambu, denominada "Copa Lúcio Bruno" seria o motivo das críticas.

Quem manda

O vereador Paulo Martins (PRTB), também expressou desconforto com alguns de seus pares que, segundo ele, acham que "mandam" em determinado bairro.

"A gente tem que acabar com essa besteira de que é vereador do bairro e quem manda lá é ele. O bairro é público, ando em qualquer um. Quero é que venha vereador me enfrentar", disse.

Incomodado com as falas do colega, Joaquim Rocha (PDT), rebate. Segundo o pedetista, lideranças locais dos dois parlamentares estariam "fazendo este tipo de jogo" nos bairros. Mas defendeu que, dentro da Casa, os parlamentares não deveriam "baixar o nível do debate". Rocha alfinetou dizendo ter mais votos que o colega.

Divergência pela ocupação do mapa do voto não é algo novo. Em 2016, durante a campanha eleitoral, lideranças políticas dos então candidatos Antônio Henrique (PDT) e "Bá" (PTC) partiram para as vias de fato durante uma visita que a vereadora fazia ao bairro Parque Santa Rosa. Na ocasião, aliados do hoje presidente da Câmara chegaram a jogar lixo na parlamentar.

Coligações

Com a proximidade do pleito do próximo ano, sem coligações proporcionais, a tendência é de que essas disputas se tornem cada vez mais frequentes, principalmente entre vereadores da base governista, uma vez que formam a maioria no Legislativo municipal.

"Quem reclamou do Lúcio Bruno foi o PT, porque ele tomou o pessoal deles lá no Pirambu", revela Eron Moreira (PP). "A disputa entre os bairros sempre existiu. O que me incomoda não é vereador, mas aquele que pega carona", comenta Adail Júnior (PDT), vereador do Antônio Bezerra.

Enquanto alguns bairros são disputados, outros seguem esquecidos. "Por que se desgastar com um colega, se há tantos bairros descobertos?", questiona Benigno Júnior (PSD).

A Parangaba deve ser uma das regiões mais cobiçadas em 2020. A área foi reduto eleitoral de Martins Nogueira, falecido em 2018. Vereadores já estão de olho nos votos que podem adquirir no bairro durante o próximo pleito.

Análise

Para o cientista político e professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Maurício Santoro, o vereador do bairro faz a "ponte" entre o poder público e a comunidade, conseguindo levar para os bairros, muitas vezes, serviços que a população não receberia sem a participação desses parlamentares. Segundo ele, com frequência há desconfiança deste tipo de político, por atuar de forma "clientelista".

No entanto, destaca que a realidade brasileira é de escassez de recursos, onde o Executivo investe menos do que deveria.

"Para a comunidade mais pobre, este tipo de serviço é essencial. Não é a política ideal, mas é aquela possível dentro do cenário de escassez dos serviços públicos, o que acontece, inclusive, em outros países", aponta.

Ainda de acordo com ele, este tipo de política fortalece a atuação do prefeito e até do governador. "Isso acontece porque o prefeito tem a chave do cofre para apresentar o serviço".

O cientista político e professor de Sociologia da Universidade de Fortaleza (Unifor), Clésio Arruda, destaca que, dentro do sistema político representativo, o vereador é quem está mais próximo dos problemas cotidianos do cidadão. O problema, segundo ele, surge quando o vereador se impõe como "dono do bairro".

"No nosso sistema política, temos vereadores que se colocam como donos de alguns bairros, mas não deixam de disputar voto em outras localidades. Dessa forma, o compromisso dele com essas outras áreas acaba sendo zero, porque não há eleitores que o pressionem para realizar as promessas feitas em campanha".

O teórico defende o voto distrital como uma forma de trazer mais identidade entre o eleitor e o representante do distrito. "Ele não seria o 'dono' do bairro, mas o representante da região".

Os destaques das últimas 24h resumidos em até 8 minutos de leitura.