Um em cada três municípios do Ceará descumpre Lei de Responsabilidade Fiscal

No Ceará, 63 dos 184 prefeitos gastaram mais do que o permitido com pagamento de pessoal no ano passado, conforme dados do TCE. Outros 41 estão dentro do limite prudencial, 31 em alerta, e apenas 49 se mantêm regulares

Escrito por Alessandra Castro , alessandra.castro@svm.com.br
Legenda: A situação preocupa o Tribunal de Contas do Estado, apesar de não ser determinante para a reprovação de contas dos gestores
Foto: Foto: José Leomar

Diante de um cenário econômico ainda instável e em um ano eleitoral, prefeituras cearenses têm enfrentado dificuldades para cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Por falta de recursos e também de organização, evidenciando desconhecimento ou descaso, uma em cada três prefeituras do Estado descumpre a lei no que diz respeito ao pagamento de pessoal. 

Ao todo, 63 prefeitos gastaram com pessoal (considerando ativos, inativos e terceirizados) mais do que determina a legislação. Os casos mais graves são os de pelo menos 25 municípios, que comprometem mais de 60% da receita corrente líquida com despesa com pagamento de servidores. Os piores são: Bela Cruz, com 70,40% de comprometimento; Paramoti (68,03%); Jardim (67,18%); Mulungu (67,06%); Miraíma (66,89%); Pedra Branca (65,87%); Paracuru (65,60%); Tarrafas (63,56%); Tururu (63,32%); e Ibaretama (62,97%).

Pela norma, enquanto eles estiverem com o excesso de gasto com pessoal, esses gestores não podem contratar operações de crédito com a União, criar novos cargos, pagar hora extra, contratar pessoas – ao menos que seja reposição decorrente de aposentadoria ou morte de servidores das áreas de Educação, Saúde e Segurança —, entre outras sanções. 

O diretor de Contas de Governo do Tribunal de Contas do Ceará (TCE), Daniel Façanha, pontua que a situação preocupa o Tribunal, apesar de não ser determinante para a reprovação de contas dos gestores, já que às vezes eles estão passando por dificuldades financeiras e não configura, necessariamente, uso irresponsável do dinheiro público.

“A situação dos municípios nos preocupa bastante. Alguns deles estão há muito tempo com esse problema. A gente avalia cada caso, por que eles ultrapassaram o limite, o motivo para estarem nessa situação. Se o gestor já estava com o percentual acima (do limite estabelecido pela LRF) e ainda contratou mais gente sem justificativa, isso vai contar como um agravante para o Tribunal na hora de julgar as contas e emitir um parecer. Há casos que a arrecadação do município diminuiu, que a folha (de pagamentos) já era alta. Então, tudo isso é avaliado antes do parecer”, esclarece o diretor da Corte de Contas. 

Os dados foram repassados pelo TCE, com base nas informações enviadas pelos gestores por meio do Sistema de Informações Municipais (SIM), e são referentes ao segundo quadrimestre de 2019 (maio, junho, julho e agosto). De acordo com o órgão, os valores são os mais atualizados, já que o terceiro quadrimestre do ano passado (setembro, outubro, novembro e dezembro) foi enviado recentemente pelas prefeituras e ainda está passando por análise do Tribunal. O material deve ser disponibilizado apenas no fim deste mês.

Preocupações

Além das 63, outras prefeituras também preocupam o TCE. São cidades que estão perto de descumprir os limites da LRF em relação a despesa com pessoal. Ao todo, 72 estão nessa situação, sendo 41 dentro do limite prudencial e 31 em alerta. Dos 184 municípios, apenas 49 são considerados a situação fiscal regular.

De acordo com a LRF, a despesa com pessoal dos municípios, em cada período de apuração (que é quadrimestral), não pode ultrapassar 60% da receita corrente líquida. 

Desse percentual, o Poder Executivo pode gastar com funcionários até, no máximo, 54% — pois os 6% restantes são reservados à Câmara Municipal, que presta contas separadamente. Por isso, são consideradas irregulares as contas das prefeituras que ultrapassem os 54% com pessoal. Já o limite prudencial é quando o município tem entre 51,3% e 54% de sua receita comprometida com a área. Ao entrar nessa classificação, o prefeito sofre as mesmas sanções impostas para quem excedeu o limite. O estado de alerta é emitido quando os gestores gastam entre 48,6% e 51,3% de sua receita com pessoal. Nesse caso, eles não sofrem penalidades, mas são avisados pelo Tribunal de Contas para terem cautela. Os que estão abaixo de 48,6% são considerados regulares pelo órgão.

Em relação ao primeiro quadrimestre de 2019 (janeiro, fevereiro, março e abril), o número de municípios que descumpriu o limite da LRF permaneceu o mesmo. Nas demais situações consideradas, houve pequenas variações. No período, 40 estavam no limite prudencial, 39 em alerta e 42 regulares.

Improbidade

Façanha explica que os gestores que excederam a despesa com pessoal têm até segundo quadrimestre subsequente para reverter a situação, sendo que um terço dos gastos excessivos deve diminuir já nos primeiros quatro meses subsequentes. Enquanto eles não se regularizarem, as sanções ficam mantidas — o que também vale para prefeitos que estão dentro do limite prudencial. Com base nessas informações e na defesa do gestor, o TCE emite um parecer-prévio sobre as contas da prefeitura. Esse relatório é enviado anualmente para a Câmara, responsável por aprovar ou desaprovar as contas.

“No parecer, o Tribunal indica a desaprovação ou aprovação das contas, mas a Câmara pode ter um entendimento diferente do Tribunal e aprovar. É algo político, eles também ouvem a defesa do prefeito. Quando o parecer do Tribunal é pela desaprovação, os vereadores têm a obrigação de abrir um processo para investigar a possibilidade de ter sido cometida improbidade administrativa”, esclarece o diretor de contas do TCE.

No entanto, Façanha salienta que a Câmara pode desaprovar as contas e não abrir um processo de cassação por improbidade. Caso a rejeição dos gastos seja mantida e o gestor continue no mandato, o Tribunal Regional Eleitoral pode tornar o prefeito inelegível, se a Corte entender que o gestor público agiu de má-fé.

Prefeituras

Por meio de nota, a Prefeitura de Paramoti informou que o município tem um problema estrutural, devido ao excesso de efetivos, problema que herdaram de uma “situação calamitosa de finanças públicas que ex-gestores impuseram”. Além disso, o Executivo também salientou que tem trabalhado para diminuir o nível de comprometimento e cumprir a lei. Para isso, tem reduzido o número de funcionários comissionados e contratados, de secretarias e até o salário do prefeito, vice e secretários em 10% por cento. 

Já a Prefeitura de Jardim disse que o descumprimento da Lei de Responsabilidade é uma “série histórica”, que ocorre desde 2015 e vêm de gestões anteriores. Ressaltou, também, tem trabalhado para reduzir as despesas com pessoal e que, apesar de alto do percentual ainda ser alto, o índice vem diminuindo. Quanto aos dados do segundo semestre, o Executivo informou que o comprometimento só não foi menor devido ao pagamento de férias coletivas para os servidores da Educação e pelo pagamento da primeira parcela do décimo terceiro dos funcionários. As demais prefeituras citadas na reportagem com os maiores índices de comprometimento da receita com pessoal não responderam até o fechamento desta matéria. 

A importância da lei de responsabilidade fiscal

A Lei Complementar 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal) foi criada para disciplinar os gestores sobre os gastos dos municípios, prevenindo riscos e corrigindo desvios capazes de afetar as contas públicas. Com a lei, órgãos de controle e fiscalizadores acompanham melhor todos as receitas e despesas dos municípios. Além disso, gestores que descumprirem a lei podem ter sofrer impeachment ou serem cassados por improbidade administrativa. 

Municípios com a pior situação:

  • 1º Bela Cruz: 70,40% da receita gasta com pessoal
  • 2º Paramoti: 68,03% da receita gasta com pessoal
  • 3º Jardim: 67,18% da receita gasta com pessoal
  • 4º Mulungu: 67,06% da receita gasta com pessoal
  • 5º Miraíma: 66,89% da receita gasta com pessoal
  • 6º Pedra Branca: 65,87% da receita gasta com pessoal
  • 7º Paracuru: 65,60% da receita gasta com pessoal
  • 8º Tarrafas: 63,56% da receita gasta com pessoal
  • 9º Tururu: 63,32% da receita gasta com pessoal
  • 10º Ibaretama: 62,97% da receita gasta com pessoal

Municípios com a melhor situação:

  • 1º Pires Ferreira: 29,95% da receita gasta com pessoal
  • 2º Caridade: 31,04% da receita gasta com pessoal
  • 3º Aiuaba: 31,09% da receita gasta com pessoal
  • 4º Pereiro: 35,72% da receita gasta com pessoal
  • 5º Crateús: 36,05% da receita gasta com pessoal
  • 6º Jucás: 36,18% da receita gasta com pessoal
  • 7º Aracati: 39,20% da receita gasta com pessoal
  • 8º Morada Nova: 40,09% da receita gasta com pessoal
  • 9º Cariús: 40,20% da receita gasta com pessoal
  • 10º Itatira: 40,23% da receita gasta com pessoal
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