Propostas põem em dúvida modelo de arrecadação, dizem prefeitos

Em seminário, ontem, na Assembleia Legislativa, gestores municipais expuseram preocupação com a unificação de impostos prevista em duas PECs em tramitação no Congresso. Prefeitos irão a Brasília em mobilização

Escrito por Alessandra Castro e Flávio Rovere , politica@verdesmares.com.br
Legenda: Os prefeitos de Fortaleza, Roberto Cláudio, e de Sobral, Ivo Gomes, compuseram a mesa do seminário
Foto: Foto: José Leomar

Em meio às crescentes discussões sobre a reforma tributária, prefeitos cearenses demonstram preocupação com possível perda de autonomia na arrecadação. Os receios dos gestores, evidenciados na última sexta-feira (13) no I Seminário Efetividade da Gestão Municipal, promovido pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) e pela Assembleia Legislativa, são motivados por duas Propostas de Emenda à Constituição (PEC) em tramitação no Congresso Nacional, que visam extinguir o Imposto Sobre Serviços (ISS), recolhido pelos municípios, com intuito de unificá-lo a tributos federais.

Tanto a PEC 45/2019, apresentada pelo deputado federal Baleia Rossi (MDB-SP), como a PEC 110/2019, proposta pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e outros senadores, estabelecem uma simplificação da carga tributária brasileira, com a criação de um imposto único, que contemple tributos municipais (ISS), estaduais (como o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviço – ICMS) e federais. Para isso, no entanto, esses encargos seriam extintos. O temor dos prefeitos é que, dessa forma, os municípios fiquem ainda mais dependentes da União, com o aguardo de repasse dos impostos. Atualmente, o ISS e o ICMS são tributados e recolhidos por cada ente federativo.

Impasses

Para o presidente da Associação dos Municípios do Estado do Ceará (Aprece), Nilson Diniz (PDT), uma simplificação na carga tributária é necessária, mas as propostas que estão em evidência ainda estão “muito obscuras”, com muitos “impasses”. Ele, que é prefeito de Cedro, apresenta três pontos importantes que precisam ser mais bem discutidos: definição das alíquotas, distribuição dos impostos e segurança social.

“Eu acho que, com a reforma, os municípios não terão força para definir alíquota. Quem deve definir é a União. Essas coisas ainda não estão claras para a gente. O que a gente sabe é que vai trocar cinco impostos (ou mais) por um, e isso, com certeza, não vai diminuir o valor do imposto. Vai é aumentar . Como não sabemos como vai ser dividida essa arrecadação, todo mundo fica com medo de perder recursos”, acredita Diniz.

Ainda conforme o presidente da Aprece, o receio principal é de o município, como ente federado, ficar “refém da União”, já que “qualquer mudança de contencioso” será feita em âmbito federal, uma vez que o tributo será único.

“Qualquer dúvida que você tem de contencioso, que tenha que discutir e fazer alguma modificação – que hoje é no âmbito do Estado, no caso do ICMS, e do município, no caso do ISS –, vai ser no âmbito federal. Isso pode dificultar muita coisa, porque, hoje, eu barateio ou aumento o imposto de acordo com a situação econômica daquela região, sem precisar pedir ao Governo Federal para fazer isso”, acrescenta Diniz.

Segurança econômica

Os questionamentos do presidente da Aprece também são compartilhados pelo prefeito de Fortaleza, Roberto Cláudio (PDT), vice-presidente da Frente Nacional de Prefeitos (FNP). Apesar de defender a elaboração de uma carga tributária mais “clara” e “simplificada”, o gestor municipal justifica que isso não pode ocorrer às custas da autonomia na gestão fiscal dos municípios.

“O ISS é o tributo mais próspero (para os municípios) pela sua simplicidade e, principalmente, por contemplar o setor econômico que mais cresce atualmente, que é o de serviços. Se a gente tira isso do Município e isso vira transferência obrigatória (com repasses da União para as cidades), vai virar um novo FPM?”, questiona Roberto Cláudio.

Já para o prefeito de Sobral, Ivo Gomes (PDT), o ISS dá “uma certa segurança” aos municípios para arcar com políticas públicas previstas pela Constituição Federal, como o investimento obrigatório de 15% em Saúde, quando a União não repassa o total dos recursos previstos.

“Não dá para os municípios terem a imensa responsabilidade da atenção básica da saúde, da educação infantil, creche e pré-escola, e o ensino fundamental, sem que tenham a devida proteção”, afirma o gestor, acrescentando que muitas prefeituras já carecem de financiamento e apoio da União e do Estado e, com a eventual perda de autonomia sobre a gestão do ISS, os entes federados ficariam ainda mais dependentes.

Discussão federal

Na terça-feira (17), Nilson Diniz deve ir a Brasília para uma mobilização nacional da FPM com deputados. Na Câmara, a extinção do ISS e do ICMS para uma cota única com tributos federais ainda precisa ser discutida. É o que apontam nomes da bancada cearense no Legislativo.

Para o deputado federal Capitão Wagner (Pros), nenhum dos textos em tramitação será a proposta oficial. Isso porque, conforme ele, o tema é muito “complicado” e não pode ser discutido sem se conhecer as propostas do Governo Federal.

“Além dessas propostas, o Rodrigo Maia (presidente da Câmara dos Deputados) também mandou fazer uma PEC sobre isso para incluir na reforma tributária; o Paulo Guedes também está elaborando uma. Então, ainda não há uma proposta definida sobre isso”, explica.

Ainda segundo Wagner, o único consenso, hoje, é a necessidade de redução dos impostos. “Sem dúvida, são necessários menos impostos e uma unificação”, acrescenta. O pensamento do deputado do Pros é compartilhado, inclusive, por parlamentares da oposição. O deputado José Guimarães (PT) também sustenta que é preciso reduzir a quantidade de impostos no País. No entanto, ele defende que a unificação dos tributos assegure aos municípios um maior repasse.

“Ninguém vai aceitar reforma tributária para perder receita. Então, eu acredito que ninguém deve perder receita, nem municípios e nem estados. A proposta não traz os cálculos ainda, então os receios dos prefeitos estão corretos. Os municípios já estão sucateados. Se diminuir a receita, a prefeitura vai fechar”, finaliza o deputado, acrescentando que as propostas precisam ser mais bem discutidas.

Proposta do governo 

A União também está elaborando uma proposta para simplificar a carga tributária brasileira. Assim como as propostas no Congresso Nacional, o texto deve prever a extinção do ISS, do ICMS e de impostos federais para a criação de um tributo único. 

Mais recursos

Segundo o deputado Capitão Wagner (Pros), o texto do Governo Federal deve destinar mais recursos a estados e municípios em relação ao que é arrecadado atualmente com os impostos que serão substituídos. “O presidente mesmo disse que seria menos Brasília e mais Brasil. Então, para que os estados e municípios dependam menos do Governo Federal, eles precisam ficar com uma cota boa dos impostos que são arrecadados”.

Índice de gestão em pauta

O TCE publicou em 2019 a quarta edição anual consecutiva do Índice de Efetividade da Gestão Municipal (IEGM), documento que avalia as políticas públicas em sete indicadores: Saúde, Educação, Planejamento, Gestão Fiscal, Política Ambiental, Cidades Protegidas e Governança de Tecnologia da Informação. A consolidação das notas leva a cinco faixas de resultados, de “baixo nível de adequação” a “altamente efetiva”. O trabalho é desenvolvido pela Gerência de Avaliação de Políticas Públicas do TCE.

Nesta sexta, prefeituras com notas mais altas nos indicadores temáticos foram certificadas e puderam compartilhar as experiências. “Aqueles que não se saíram tão bem podem ver um município do mesmo porte que se saiu muito bem em educação ou no índice global”, afirmou o presidente do TCE, Edilberto Pontes.

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