Projetos sociais fomentam lideranças políticas em bairros da Capital

Fora dos espaços de poder convencionais, em Fortaleza, há também a política tecida nas ruas, que ganha formas em redes que surgem e crescem em diferentes localidades, dando frutos ao coletivo a partir de luzes singulares

Escrito por Márcio Dornelles ,
Legenda: Geni, Lia, Vó Luiza e Janilce, da esquerda para a direita, mostrando as bonecas de pano
Foto: Foto: Rodrigo Gadelha

Muito além das sombras e ambientes climatizados de parlamentos, há uma outra Fortaleza que respira uma política diferente, entre iguais, com 'toma lá, dá cá' sadio e próspero. São cidadãos preocupados com o desenvolvimento humano acima do comercial. São histórias paralelas de gente simples, mas grande, com um propósito puro. São Fortalezas silenciosas, ainda que gritantes.

A turismóloga Geni Sobreira, na juventude dos seus 58 anos, é parte importante de um projeto de resgate da dignidade e do valor de milhares de pessoas. A micropolítica dela, que movimenta tanta gente, começou em 2002, ao observar carências financeiras e afetivas em casas do bairro Serrinha e identificar oportunidades de crescimento. Criou, na companhia da artista plástica Lia Batista e da pedagoga Janice Araújo, o movimento social Rede de Mulheres Empreendedoras Sustentável (Remes), que auxilia famílias com diálogo e qualificações.

Legenda: Coordenadora do grupo, Geni Sobreira afirma que a atuação cresceu tanto que saiu do controle 
Foto: Foto: Rodrigo Gadelha

O projeto hoje já atua em mais de 27 bairros de Fortaleza, além de outros 15 municípios cearenses e seis estados. "Só querem oportunidade para trabalhar. A Remes usa a casa das mulheres e o trabalho delas e faz acontecer", afirma Geni, coordenadora do grupo de apoio social.

Dignidade

"Ela tem que se motivar e se descobrir como pessoa e cidadã. Chegam mulheres que não sabem o que é dignidade, cidadania. E se descobrem pela pintura", complementa Lia Batista, que ministra cursos e ensina a arte da pintura. "Ela descobre que não é só (sobre) pintar, mas resolver problemas de vida", anima-se.

Fruto da onda do bem, a arte da Vó Luiza, como é carinhosamente chamada Luiza Costa, de 95 anos, ganha novos lares. Apesar da idade, ainda pinta e faz bonecas de pano para a venda. Ri ao afirmar que a visão já não é a mesma e outro dia furou o dedo costurando, mas não para. Além da renda obtida, é um incentivo para se manter ativa.

Lideranças

As escolas também recebem ações relevantes de conscientização. A coordenadora pedagógica do Remes, Janilce Araújo, é responsável por levar a instituições de ensino um pouco do trabalho desenvolvido. Mais do que isso, mostra que articulações políticas pequenas, de porta em porta, de coração em coração, geram resultados fundamentais para uma Capital que, junto a elas, só cresce.

Elas são reconhecidas como lideranças pelas pessoas atingidas, sendo cada vez mais demandadas para cursos e ações. Sem votos nas urnas ou gabinete suntuoso, promovem inúmeras práticas positivas em Fortaleza.

Da Serrinha de Geni, Lia e Janilce para o Conjunto Esperança de Joelma Crisóstomo, Patrícia Sousa e Clea Façanha. As três agentes comunitárias de saúde, desde 2012, são protagonistas de um 'toma lá, dá cá' que contagiou a região. Durante as visitas a residências, identificavam materiais como cadeiras de rodas, camas e bengalas sem uso e levavam para famílias necessitadas.

"Começamos a pegar as coisas que estavam paradas em uma casa e doar para outra casa que estava precisando", confirma Joelma. A ação cresceu e se transformou no Zap Mãos Amigas, ampliando o movimento para mais bairros.

Somos do povo

No último dia 5, por exemplo, o grupo levou médicos, enfermeiros e diversão para as crianças do Conjunto Esperança. As articuladoras mobilizam centenas de pessoas para ações conjuntas, de mãos dadas, como sugere o grupo. Com o tempo, também reconhecidas como lideranças políticas sem mandato, passaram a frequentar regiões consideradas perigosas.

"Aqui no bairro, todos respeitam o nosso projeto e confiam na gente, pois sabem que não fazemos em troca de voto", garante a agente de saúde. "Somos do povo, somos a voz do povo. Pode ser velho, novo, santo, bandido, não importa".

A amiga Patrícia explica que ações são feitas para a arrecadação de recursos que vão movimentar novas ações. Os apelos por doações são feitos pelas redes sociais ou pessoalmente, com voluntários.

O trio à frente do projeto usa a voz que tem, na tribuna da rua, para melhorar a vida de pessoas desconhecidas, carentes de algum tipo de objeto ou serviço. É um jeito diferente de fazer política na Grande Fortaleza. Mostram, todas, que a união gerada por vozes paralelas também é eficiente para alertar sobre a necessidade do outro. São luzes de uma cidade bonita.

"A luta é árdua, mas em cada sorriso e vida transformada, (vem) o sentimento de missão de vida", completa Geni Sobreira, depois de visitar a casa da Vó Luiza.

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