"Procurador-Geral de Bolsonaro" quer mudar perfil da instituição

Após semanas de suspense, Jair Bolsonaro indicou, ontem, o subprocurador Augusto Aras para o cargo de novo procurador-geral da República. Ele deve imprimir um perfil mais conservador ao Ministério Público Federal

Escrito por Redação , politica@verdesmares.com.br
Legenda: Augusto Aras deve substituir a procuradora Raquel Dodge, cujo mandato acaba no próximo dia 17 de setembro Bolsonaro sancionou o projeto de lei do abuso de autoridade com 19 vetos
Foto: Foto: TSE

O Ministério Público Federal deverá assumir um perfil mais conservador com a escolha pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) do subprocurador Antonio Augusto Brandão de Aras para o cargo do novo procurador-geral da República pelos próximos dois anos.

Aras deve enfrentar uma série de desafios no Supremo Tribunal Federal (STF), tribunal no qual atuará. Um deles é o inquérito das fake news instaurado em março por Dias Toffoli, presidente do Supremo. O objeto da investigação não é totalmente conhecido -pois o caso está em sigilo e nem a PGR teve acesso- e há a possibilidade de que venha a atingir membros do Ministério Público Federal (MPF).

As mensagens trocadas entre procuradores da Lava Jato, divulgadas pelo site The Intercept Brasil e outros veículos também devem elevar a pressão sobre o novo PGR. Ministros do Supremo já cobram, aberta ou reservadamente, providências da chefia da instituição sobre os procuradores de Curitiba, especialmente Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa da Lava Jato.

Outras questões polêmicas devem ser apreciadas nos próximos meses no Supremo, como o fundo bilionário que a Lava Jato queria criar -e que foi suspenso por Alexandre de Moraes- e a rescisão do acordo de delação dos irmãos Joesley e Wesley Batista, da JBS.

A atuação no Supremo costuma testar a aproximação entre a PGR e o Planalto. Decretos e projetos de lei de interesse do Governo vão com frequência para o tribunal, o que deve acontecer, por exemplo, com eventuais normas que flexibilizem porte e posse de armas, promessa de campanha de Bolsonaro. Direitos fundamentais e as questões ambiental e indígena estão na pauta de julgamentos da Corte neste semestre, quando o novo procurador-geral já tiver assumido. A postura do chefe do Ministério Público Federal nesses casos poderá indicar se ele vai evitar ou não conflitos com o Governo.

A investigação sobre o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho mais velho do presidente da República, será outro teste. O Supremo deve discutir em novembro a decisão de Toffoli que suspendeu, temporariamente, o inquérito sobre Flávio no Ministério Público do Rio de Janeiro.

O novo procurador-geral da República também terá o desafio de conter a insatisfação da categoria e da equipe da Lava Jato. Aras já vinha sendo alvo de críticas de colegas ao disputar a indicação por fora da lista tríplice feita a partir de eleição da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR).

Perfil

Aos 60 anos, Aras será o primeiro chefe da Procuradoria-Geral da República (PGR) desde 2003 a comandar a instituição sem ter integrado a lista tríplice. Aras tem afirmado que possui apoio de parte da categoria e antecipou que chamará para os cargos de segundo escalão procuradores de perfil conservador - ao gosto do presidente Jair Bolsonaro.

A indicação será enviada ao Senado para que Aras seja sabatinado, e a instituição aprove sua nomeação. A sabatina ocorre na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), durante a qual os candidatos são questionados sobre suas posições jurídicas. O nome precisa ser aprovado tanto na CCJ como no plenário- até hoje nunca houve uma rejeição de nome indicado pelo presidente.

O mandato da atual procuradora-geral Raquel Dodge termina em 17 de setembro. Caso o nome de Aras não seja aprovado em tempo hábil, assume temporariamente o cargo um interino, que é o subprocurador Alcides Martins, vice-presidente do Conselho Superior do Ministério Público Federal.

Aras chega a uma PGR alvo de grave crise interna durante a gestão de Raquel Dodge, criticada por arquivamentos de investigações e pela lentidão na condução da Lava-Jato.

Na quarta-feira, a procuradora-geral foi alvo de uma demissão coletiva do grupo de trabalho da Lava-Jato por causa desses descontentamentos.

Dossiês

Aras começou na dianteira na disputa, mas perdeu pontos depois que deputados do PSL levaram dossiês ao Palácio do Planalto que apontavam conexões dele com o PT e com ideias consideradas de esquerda. Depois disso, o presidente passou a ouvir outros candidatos ao cargo. Passaram por seu gabinete em conversas reservadas o subprocurador Mario Bonsaglia, mais votado da lista tríplice da categoria, e diversos outros subprocuradores, como Bonifácio de Andrada, Paulo Gonet e Antonio Carlos Simões Soares --este último com o apoio do filho do presidente, o senador Flávio Bolsonaro (PSL).

Após muita expectativa e adiamentos sucessivos da data do anúncio, Bolsonaro retomou o contato com Aras e aparou as arestas com o candidato. No último sábado, o subprocurador esteve com o presidente no Palácio da Alvorada e rebateu as críticas surgidas contra ele. Durante o processo de escolha, o presidente deu diversas declarações sobre o perfil desejado para a PGR, sem "estrelismo" e que não fosse radical em temas ambientais e indígenas.

Reformas

Aras se coloca como favorável à agenda de reformas do Governo Bolsonaro, tem o apoio dos filhos do presidente e de um dos ministros mais prestigiados pelo presidente, Tarcísio de Freitas, da Infraestrutura. Em maio, Aras defendeu uma "disruptura" no Ministério Público para a instituição "retomar os trilhos" da Constituição e superar o aparelhamento em seus órgãos.

O nome de Aras também foi defendido por um amigo e aliado de longa data do presidente, o ex-deputado Alberto Fraga (DEM-DF), que acompanhou as diversas conversas que ocorreram entre os dois nas últimas semanas.

Reações

Alguns parlamentares também comentaram a indicação. A deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP), habitual defensora de Bolsonaro, tuítou que confia no "grande trabalho" de Augusto Aras. "Confio na indicação e confio que Augusto Aras vai fazer a coisa certa".

O deputado do PSL Sanderson (RS) elogiou a escolha de Bolsonaro. "Um homem vivido, com experiência técnica e de campo", disse.

Já a oposição criticou o nome escolhido. O deputado federal petista Paulo Teixeira afirmou que a indicação humilha o Ministério Público Federal, uma vez que Aras não estava na lista tríplice. O assunto foi o mais discutido no Twitter brasileiro na tarde de ontem.

Vetos à Lei de Abuso de Autoridade

O presidente da República, Jair Bolsonaro, sancionou, ontem, a Lei de abuso de autoridade (Lei 13.869/19) com 19 vetos. A matéria foi aprovada na Câmara no mês passado (PL 7596/17). Entre os pontos vetados estão a proibição do uso de algemas, a obrigação de o policial se identificar ao preso, a execução de operações policiais desproporcionais que exponham o investigado ao vexame, e a proibição de iniciar investigação penal, civil, ou administrativa sem justa causa ou contra inocentes. Os vetos serão analisados pelo Congresso Nacional e poderão ser derrubados pelo voto da maioria absoluta de cada Casa: 41 senadores e 257 deputados. O relator da proposta, deputado Ricardo Barros (PP-PR), criticou alguns pontos vetados e destacou que o Congresso terá protagonismo para definir o texto final. "É lamentável permitir que se abra uma persecução penal sem justa causa, permitir que se prenda alguém sem o devido fundamento jurídico, que se algeme um pai de família que não oferece risco, mas isso tudo vai ser avaliado pelo Congresso Nacional".

O principal argumento do Governo é que os vetos recaíram sobre tipos penais abertos, que geram insegurança jurídica, porque comportam interpretações que podem prejudicar a atuação das autoridades policiais, de magistrados e outros agentes públicos.

No caso do veto à proibição de se iniciar processo contra inocentes ou sem justa causa, o Governo avalia que a regra colocaria em risco mecanismos como a delação anônima (disque denúncia) e contraria determinações judiciais que validam a investigação de denúncias anônimas.

O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, minimizou a polêmica em torno dos vetos ao projeto.

"Estão fazendo um cavalo de batalha em uma coisa que é natural. Em várias matérias votadas, ele é sancionado ou vetado. (Veto) é da política, é da democracia", disse.

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