Pré-candidaturas coletivas trazem novo elemento para eleições

A primeira chapa coletiva para concorrer a uma vaga de vereador de Fortaleza foi lançada no início de janeiro; apesar de estar em crescimento no Brasil, este tipo de candidatura ainda não é reconhecido pela Justiça Eleitoral

Escrito por Luana Barros , luana.barros@svm.com.br

As eleições municipais em Fortaleza devem contar com um novo elemento, pelo menos na disputa pelas cadeiras da Câmara Municipal. Presentes nas eleições de 2018, as candidaturas coletivas ainda não tinham disputado nenhum cargo eleitoral no Ceará. Já em outros estados, algumas chegaram a ser eleitas para mandatos compartilhados e outras chapas, de diferentes partidos, estão em formação para o pleito deste ano.

Em Fortaleza, para 2020, a chapa "Nossa Cara!" é formada por cinco mulheres negras e foi lançada como pré-candidata ao cargo de vereadora. "A gente entendeu que um só sobrenome e um só rosto não seria capaz de sintetizar as variadas lutas e resistências que temos", resume a professora Louise Santana. Ela é a única dentre as cinco com experiência eleitoral, tendo sido candidata pelo Psol à Assembleia Legislativa, em 2018.

Além de Santana, integram a pré-candidatura coletiva Adriana Gerônimo, Lídia Rodrigues, Sarah Menezes e Alessandra Félix. O modelo foi inspirado na Juntas, 'mandata' coletiva eleita para a Assembleia Legislativa de Pernambuco, nas últimas eleições. Na capital pernambucana, também foram cinco mulheres a integrar a candidatura a deputada estadual, que teve pouco mais de 39,1 mil votos.

Nas eleições gerais de 2018, candidaturas coletivas já estiveram presentes no cenário eleitoral e tendem a ter um crescimento nesta disputa para as Câmaras Municipais. Contudo, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) explica que não há a possibilidade de fazer um levantamento destas candidaturas, porque a Justiça Eleitoral registra apenas a cabeça de chapa.

Sem previsão legal

Em pré-candidaturas coletivas já lançadas, pautas políticas semelhantes aproximam os 'co-candidatos'. Em Pernambuco, por exemplo, um grupo de lideranças da comunidade do Coque, na área central do Recife, se organiza para concorrer pelo DEM a uma cadeira como vereador.

Enquanto em Passo Fundo, no Rio Grande do Sul, o foco é o protagonismo de cinco jovens oriundos do movimento de ocupação das escolas em 2016. Eles devem concorrer a uma das cadeiras da Câmara Municipal, pelo PCdoB.

O Psol deve ter ao menos três chapas concorrentes a mandatos compartilhados, além da de Fortaleza. Serão nas cidades de São Paulo (SP), Porto Alegre (RS) e Manaus (AM). A pré-candidatura coletiva, no entanto, não tem previsão legal, segundo o TSE. Por isso, legalmente, o registro de candidatura é feita no nome de uma pessoa, chamada de cabeça de chapa. Para a Justiça Eleitoral, tanto a candidatura como um futuro mandato, em caso de eleição, pertence apenas a esta pessoa.

A professora de Direto Eleitoral da Universidade Federal do Ceará (UFC), Raquel Machado, explica sobre os diversos aspectos deste modelo de participação eleitoral. "A candidatura coletiva não existe do ponto de vista jurídico, apenas do ponto de vista social", esclarece. "Do ponto de vista jurídico, o mandato coletivo dá uma ideia de algo mais sólido. Contudo, é um compromisso entre pessoas que resolvem se ajudar, não tem uma forma vinculativa jurídica".

Formação

A cabeça de chapa na pré-candidatura coletiva em Fortaleza é de Lídia Rodrigues, profissional com atuação no terceiro setor. Para ela, apesar de o modelo não reconhecido pela Justiça Eleitoral, ele representa uma nova forma de ocupar espaços institucionais.

"O sistema político é muito limitado do ponto de vista da participação. Pensar uma candidatura coletiva também é pensar uma forma de 'hackear' o sistema político", afirma Rodrigues. "A gente não acredita na política do modo que ela está, com processos individualizados, afastada da vida real", complementa a educadora popular Sarah Menezes, também integrante da chapa em formação.

Raquel Machado, especialista em Direito Eleitoral, considera que há uma tendência de crescimento de chapas coletivas, principalmente por uma mudança de pensamento a partir da internet e de novos movimentos políticos. "Nós aprendemos a dividir esforços. Muito por conta da internet, nós aprendemos a coletivizar esforços, isso foi trazido para a política", pondera.

O custo financeiro também está entre as razões elencadas por Machado. "Fazer política é caro. Então é uma forma de baratear ao unir esforços nessa candidatura", aponta. Para a professora, uma futura regulamentação pela Justiça Eleitoral pode estar no radar. "O Direito regulamenta a vida, mas a vida move o Direito. E a realidade é sempre mais ampla", analisa a especialista.

Candidaturas coletivas no País

Nas eleições gerais de 2018, duas chapas coletivas foram eleitas no Brasil para o Poder Legislativo. A Bancada Ativista ocupa uma das cadeiras da Assembleia Legislativa de São Paulo e é formada por nove 'codeputados', como eles mesmos se denominaram. Cada um é responsável por pautas distintas, das quais são mais próximos. Nas atividades legislativas, contudo, apenas Mônica Seixas, cabeça de chapa no processo eleitoral, pode estar presente como representante do grupo.

Os outros codeputados, assim como no caso das Juntas, eleitas para mandato coletivo em Pernambuco, ocupam cargos de assessores parlamentares. O salário é dividido igualmente entre os que integram o mandato coletivo, assim como as decisões são também tomadas em grupo.

Diante desta dinâmica de atuação, qual seria, então, a diferença entre um mandato coletivo e um mandato individual, que tenha uma boa equipe por trás? "A diferença é a mesma que tem em conselhos: têm conselhos que são consultivos, tem outros que são deliberativos", compara Lídia Rodrigues. Um mandato coletivo, diz ela, equivaleria a um conselho deliberativo.

Para Raquel Machado, professora da UFC, não há nenhuma irregularidade em ter uma equipe formada, sabendo mesmo antes do pleito quem deve ocupar os cargos em caso de eleição. Porém, não há segurança jurídica para aqueles que integram a candidatura, mas não são o cabeça de chapa. "No acordo, se diz aquilo, mas se houver qualquer chateação, é possível mandar o assessor embora", explica. O acordo, portanto, não tem nenhuma vinculação que o obriga a ser executado.

Nesta realidade, Adriana Gerônimo, também membro da chapa "Nossa Cara!", avalia que o modelo tende a ser adotado por partidos de todo o espectro político. "Houve um crescimento nos últimos dois anos na esquerda brasileira, mas também vai ser um instrumento utilizado de forma muito estratégica pela direita".

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