Partidos no Ceará têm mais comissões provisórias do que diretórios

Atual cenário partidário pode indicar fragilidade na autonomia das legendas no Estado

Escrito por Wagner Mendes ,

O que há em comum entre Fortaleza e Granjeiro? Qual a relação entre a Capital do Ceará, uma das maiores metrópoles do País, com um contingente eleitoral de 1.769.072 votos possíveis, e o pequeno município de Granjeiro, de apenas 5.187 eleitores - o menor do Estado?

É que ambos administram a sua política partidária com menos diretórios e mais comissões provisórias. Na prática, a interferência nacional fica mais evidente em um possível cenário de prejuízo político-eleitoral para um determinado grupo. Sem eleição interna, o comando das legendas passa a ser por indicação da instância nacional.

Levantamento realizado pelo Diário do Nordeste, com base em dados oficiais do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), aponta que o Ceará possui 918 comissões provisórias, e apenas 396 diretórios - ou seja, órgãos definitivos. Nesses casos, as lideranças locais possuem mais autonomia e sofrem menor interferência superior. As comissões, por outro lado, podem ser dissolvidas ao sabor do momento.

PCdoB

O PCdoB é o partido no Ceará que mais possui diretórios. São 67. À frente do PDT, com 51, e do PT, com 45. Apesar do ensaio de fortalecimento da legenda no interior, um caso chamou atenção nos últimos dias. O prefeito de Uruburetama, José Hilson de Paiva, preso sob acusação de crimes sexuais, presidia o diretório do PCdoB no Município.

A sigla chegou a abrir a investigação e iniciar procedimento interno contra o gestor ainda no ano passado. A demora na análise do caso impediu uma resolução até que as denúncias fossem divulgadas pelo Diário do Nordeste e pelo programa "Fantástico". O prefeito afastado acabou expulso das fileiras comunistas no Ceará e se encontra preso, desde a sexta-feira.

O fato explica que, mesmo com os diretórios consolidados, as agremiações acabam, por vezes, caminhando por vias adversas às bandeiras históricas partidárias - como a continuidade do comando da legenda por uma liderança submersa a denúncias graves no exercício da Medicina.

Estratégias locais

Em meio à busca por solução em desvios nas deliberações internas, a estratégia de utilizar as comissões como mecanismo de controle dos partidos é colocada de forma aberta pelos dirigentes no Estado.

Luiz Pontes, presidente do PSDB no Ceará, cobra uma reforma partidária para evitar as insubordinações que transformam as legendas em símbolos de aluguel, principalmente no interior. "É um prostíbulo partidário. É triste. Se não houver mudança, vai continuar fragilizado. Defendo os diretórios, a legitimidade, a comissão executiva, os filiados membros dos diretórios. Agora, infelizmente, o PSDB teve candidato a senador e governador, e ninguém do PSDB votou", reclama o ex-senador ao admitir que utiliza do benefício das comissões para organizar o partido no interior.

"As comissões dão aos presidentes estaduais, e nacional, esse manejo", explica.

O presidente do PDT, André Figueiredo, adianta que todos os casos no Estado estão sendo examinados e que as "comissões provisórias que não lançaram candidatos à Prefeitura e a vereador certamente sofrerão alterações". "Partido existe para lançar candidaturas", ressaltou.

O líder pedetista afirmou ainda que, até o primeiro trimestre do ano que vem, todas as comissões vão se tornar diretórios do partido.

Novos grupos

Presidindo o Pros há pouco tempo, Capitão Wagner disse que ainda não tem problemas de desfiliações ou infidelidades na sigla, e que trabalha previamente para consolidar as lideranças locais. A expectativa do deputado federal é tentar fortalecer a agremiação esvaziada pelo grupo dos Ferreira Gomes.

"É um trabalho a longo prazo que gera fidelidade, com gente que foi abandonada por outras legendas. A gente faz diferente, qualifica, acompanha, orienta", conta. Uma das estratégias para evitar desvios das bandeiras da agremiação é "entregar" o comando das instâncias municipais a "novos grupos" no Ceará.

Regras

O cientista político da Universidade Federal do Ceará (UFC), Cleyton Monte, explica que a maioria dos partidos políticos tem em seus estatutos algum tipo de penalidade para transgressões éticas. No entanto, o especialista alerta que "existe uma distância muito grande entre o estatuto e o contexto político em que ele se insere".

Apesar dos instrumentos de punição, Monte afirma que "o que acontece é que o partido não recusa quando chega algum tipo de liderança".

"Nenhum partido recusaria aceitar um prefeito de Uruburetama em suas fileiras", reforça o professor da UFC ao alegar que "líderes partidários abrem mão da ética pelo cálculo eleitoral". O professor defende "mecanismos eficientes" de investigação antes da filiação. "Claro que isso não inibiria, ou tornaria o partido livre de desvios, mas pelo menos reduziria esse tipo de prática de partido de aluguel".

Democracia

Em meio às cobranças por mudanças na legislação partidária, a pesquisadora Raquel Machado, especialista em Direito Eleitoral, explica que "a legislação pode deixar mais precisa a questão, mas a natureza dos partidos de pessoa jurídica de direito privado já dá força aos partidos".

Para a estudiosa, "os partidos precisam ser mais consistentes em sua estrutura".

"Partidos políticos devem promover mais democracia interna, mais diálogo, mais clareza de suas normas. Eles são pessoas jurídicas de direito privado e, enquanto tal, podem estabelecer regras de filiação e de apoio às candidaturas", argumenta a pesquisadora.

O Ceará registra quase mil comissões provisórias de partidos, isto é, o dobro do número de diretórios partidários. Esse perfil deixa as legendas sob risco de sofrerem intervenção da direção nacional

Composição dos partidos

Os partidos que mais possuem diretórios no Ceará são PCdoB, com 67; PDT, com 51; PT, com 45; MDB, com 39 e PSDB, com 38. Por outro lado, as legendas que mais administram as questões partidárias com comissões provisórias são PL, com 112; PMB, com 96; PDT, com 78; PSB, com 73 e PRB, com 61.

Regras mais frouxas

Passou a ser assegurado aos partidos políticos, em 2019, autonomia para definir o prazo de duração dos mandatos dos membros dos seus órgãos partidários permanentes ou provisórios. O prazo de vigência dos órgãos provisórios dos partidos políticos passou a ser de até oito anos. Encerrado o prazo de vigência de um órgão partidário, ficam vedados a extinção automática do órgão e o cancelamento da inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica.

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