Torturado por Ustra na ditadura, vereador também rejeita PT e defende voto nulo

Para Gilberto Natalini, o risco à democracia apresentado por Haddad é igual ao que apresenta Bolsonaro, que seria apenas mais explícito em seus aspectos antidemocráticos

Escrito por Guilherme Seto/FolhaPress ,

Em 1972, aos 19 anos, o então estudante de medicina Gilberto Natalini foi preso e torturado durante 60 dias. Segundo ele, um de seus algozes foi o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, ex-chefe do DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna), órgão de repressão da ditadura militar.

Então militante pela abertura democrática e atualmente vereador paulistano pelo PV, ele recebeu choques elétricos que causaram danos permanentes à sua audição. Hoje, ele tem capacidade auditiva de 60% no ouvido esquerdo e 80% no direito.

"Nunca dei tiro, nunca dei facada nem dei tapa em ninguém. A última vez que entrei em confronto físico com alguém foi aos 8 anos de idade. E fui preso por suspeita de fazer parte de um grupo de esquerda ao qual eu não pertencia e fui barbaramente torturado sob comando do Ustra e, algumas vezes, por ele pessoalmente. Ficaram um mês me dando choques nos ouvidos até romper os tímpanos, que sangraram e não cicatrizaram direito", diz Natalini, 66. Segundo ele, os militares queriam informações sobre o paradeiro de uma pessoa que ele não conhecia.

Ustra tem sido lembrado com frequência nesta eleição. O presidenciável Jair Bolsonaro (PSL) já manifestou sua admiração pelo coronel diversas vezes ao longo de sua trajetória, e tem "A Verdade Sufocada", de autoria de Ustra, como livro de cabeceira. O PT veiculou propagandas em que mostrava Bolsonaro como devoto de Ustra e favorável a torturas. A veiculação do material foi suspensa pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

O passado traumático com o torturador, no entanto, não fez com que Natalini direcionasse seu voto a Fernando Haddad (PT). O vereador não concorda com o argumento de que no petista se encontra a "saída democrática", como parte de seus apoiadores têm defendido, e vê no PT uma "quadrilha de corruptos" que prejudicam a democracia por meio dessa categoria de malfeitos.

Sendo assim, ele escolheu anular seu voto, ainda que ele mesmo seja um político e que, grosso modo, dependa dos votos em sua carreira.

Por sua posição, o vereador tem sido pressionado por seguidores de ambos os candidatos.

"Nunca anulei meu voto. Mesmo durante a ditadura militar fizemos campanha e elegemos pessoas do chamado 'MDB autêntico'. Sempre fui a favor de votar. Chegamos a uma situação hoje na qual eu não tenho alternativa. A minha consciência moral me impede de dar meu voto para qualquer um dos dois depois de 54 anos de ativismo político", diz Natalini à reportagem.

O médico vê a ascensão de Bolsonaro como fruto de erros do PT, que, segundo ele, depois de fazer "falcatruas ao chegar ao poder" esvaziou o cenário político e ideológico nacional, "jogando vitamina no canteiro para ressurgir a direita mais troglodita e burra que o Brasil possuiu e que estava adormecida".

"Bolsonaro é uma direita xucra, violenta, preconceituosa, que defende práticas insuportáveis. Uma delas é ter como ídolo um dos maiores assassinos do Brasil, que é Ustra, essa excrescência da humanidade. Com essa declaração de amor ao meu torturador, jamais votaria nele", afirma Natalini.

"Ele tem ligações com os setores mais burros das Forças Armadas, veja o vice dele [general Hamilton Mourão (PRTB)]. O general Eduardo Villas Boas, comandante do Exército, é um homem inteligentíssimo, bate qualquer intelectual. O vice de Bolsonaro foi buscado no que tem de mais xucro", completa.

Segundo ele, um ambientalista histórico, Bolsonaro tem uma visão "do século 12" do meio ambiente, e será necessária "muita luta" para conter os planos do presidenciável, caso ele vença.

Sobre o PT, Natalini diz que "não vota em quadrilha", em referência aos escândalos nos quais o partido se viu envolvido nos últimos anos. Como vereador, ele fez dura oposição aos prefeitos petistas Marta Suplicy e Haddad.

Para ele, o partido que hoje disputa contra Bolsonaro construiu "uma estrutura criminosa para fazer inveja a qualquer máfia do mundo, com chefe, subchefe e comandados".

"Denunciei a roubalheira da ciclovia do Haddad, o superfaturamento na compra de salsichas. Eles vieram gradativamente piorando, roubando cada vez mais. Até hoje o PT rouba onde pode. É um descaramento muito grande", completa, dizendo que não escolhe o PT por uma questão de "assepsia moral".

Para ele, o risco à democracia apresentado por Haddad é igual ao que apresenta Bolsonaro, que seria apenas mais explícito em seus aspectos antidemocráticos ao louvar as décadas ditatoriais.

"Quando você entra no erário público para roubar bilhões você está corroendo as bases da democracia. É uma forma indireta de acabar com a democracia. Você coloca o estado a serviço de seus asseclas e amigos. O discurso é mais suave. O Haddad tem autonomia? Quem vai governar? A ordem vai ser do Lula com toda aquela camarilha autoritária e corrupta. É uma saída que corrompe a democracia", argumenta.

Confrontado sobre uma possível contradição de ser um vereador e pregar o voto nulo, Natalini discorda e aponta essa opção como a possibilidade de marcar uma posição em um cenário em que escasseiam as alternativas viáveis.

"Anular o voto não é negar o voto. Não vou deixar de votar. Mas se você não tem candidatos em que você tenha o mínimo de confiança ou esperança, como que você vai depositar seu voto em quem você não vê a menor condição de representar a consciência cidadã? Não é omissão. É muita coragem de dizer que vou votar nulo", diz.

"O voto nulo é um instrumento democrático das eleições. Significa que você não se satisfaz com o que sobrou. Não acredito em Bolsonaro por ser um arauto da tortura nem no PT por ter sido a organização que assaltou os cofres públicos e levou o Brasil a essa crise civilizatória pela qual está passando."

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