Ensino de Libras pode se tornar obrigatório nas escolas do País

Projeto na Câmara gera debate entre especialistas. Futura primeira-dama quer projetos sociais em prol da comunidade surda

Escrito por Carol Curvello, em Brasília ,

A jornalista Cristina Ventura, moradora de Brasília, é mãe de uma menina com oito anos que tem surdez profunda e severa bilateral. A deficiência foi descoberta após o nascimento, a partir do exame de orelhinha, mas ela conta que repetiu o exame três vezes porque havia a possibilidade do resultado ser falso. A confirmação só veio aos cinco meses após a realização de exames auditivos mais complexos.

No caso da filha de Cristina, o transplante coclear, que auxilia pessoas com perda auditiva, não se enquadrou. Então, foi a partir disso, que ela procurou conhecer mais sobre Libras para conseguir dialogar com a filha. O primeiro contato da família com a língua dos surdos foi no primeiro ano de vida da pequena Tarsila, que tem uma forte influência na língua de sinais.

“No começo a gente buscava vídeos na internet e aí encontramos muito vídeos básicos que nos possibilitaram a iniciação em Libras. Para nós que somos ouvintes, é mais difícil, é um aprendizado contínuo. Quando ela ainda era pequena, convivíamos com um intérprete de Libras que, além de dar aula para a Tarsila no período de estimulação precoce, dava aulas para a família inteira nos finais de semana”.

O grande desafio na vida da Tarsila, segundo a mãe Cristina, é a educação que às vezes é muito restrita. A jornalista conta que no início foi difícil adaptar a filha aos estudos, mesmo com a presença de um intérprete em sala de aula, porque todos os professores e alunos tiveram que conhecer mais sobre a língua de sinais e a comunidade surda.

A filha de Cristina estuda em uma escola referência no ensino de Libras e Português Escrito, que fica em uma cidade satélite próxima a Brasília. “A escola é um projeto modelo, que propicia a ela educação na perspectiva da Libras como primeira língua. Nessa escola estudam crianças e jovens surdos, “codas” (filhos de surdos) e ouvintes, todos integrados. É maravilhosa a pedagogia aplicada lá. A melhor parte é que todos os profissionais são habilitados em Libras e isso faz toda a diferença no aprendizado da pessoa surda”, disse. 

Mudança

A oferta obrigatória do ensino de conhecimentos básicos da Língua Brasileira de Sinais nas escolas públicas do País vem sendo discutida nas comissões da Câmara dos Deputados e pode se tornar uma realidade no próximo governo.

A futura primeira-dama Michelle Bolsonaro tem uma proximidade enorme com essa área por ser intérprete de Libras na Igreja em que ela frequenta. Após a vitória do esposo Jair, Michelle afirmou que pretende atuar em projetos sociais e que uma das suas prioridades será em prol da comunidade surda e demais pessoas com deficiência.

Michelle já deu declarações de que o interesse por Libras surgiu como uma vocação de Deus, mas um dos seus tios tem deficiência auditiva e serviu como uma fonte de inspiração para ela aprender.

O projeto

A proposta em discussão na Câmara prevê que as condições de oferta do ensino de Libras serão definidas em regulamento dos sistemas de ensino, que tratarão da necessidade de professores bilíngues, de tradutores e intérpretes e de tecnologias de comunicação em Libras. O regulamento deverá tratar ainda do acesso da comunidade estudantil em geral e dos pais de alunos com deficiência auditiva ao aprendizado da Libras.

Segundo o texto, se aprovada, a lei deverá produzir efeitos após 180 dias para as capitais estaduais e o Distrito Federal; após 2 anos para os municípios com mais de 100 mil habitantes; após 4 anos para as cidades com mais de 50 mil habitantes; e após 7 anos para os municípios com mais de 10 mil habitantes.

O autor do substitutivo ao projeto, deputado Diego Garcia (Pode/PR), defende a proposta como uma forma de inclusão e de oportunidade para pessoas que tenham interesse em aprender a língua de sinais. “A gente sabe da demanda que existe hoje na sociedade brasileira, o número gigantesco de pessoas que têm essa necessidade e, às vezes, a falta de profissionais e oportunidades faz com que os alunos surdos não tenham estímulo de permanecer na sala de aula”, disse o parlamentar.

Já aprovado pelas comissões de Seguridade Social e Família e Educação, o projeto aguarda análise da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania e do Plenário da Câmara. Segundo a professora Enilde Faulstich, do Departamento de Linguística, Português e Línguas Clássicas da Universidade de Brasília (UnB), a obrigatoriedade do ensino de Libras é necessária, mas ainda há poucos profissionais para ministrar a disciplina como obrigatória.

A professora explica que um curso de Licenciatura em Libras dura quatro anos e o quadro de professores formados a cada ano é pequeno para atender a demanda se a disciplina for obrigatória. 

“As escolas vão acabar contratando pessoas com conhecimento insuficiente da língua para ensinar as crianças. Serão pessoas leigas e não profissionais de licenciatura. Se a disciplina for optativa talvez tenha menos problema, porque há um número razoável de professores mas não ainda o suficiente”, declarou.

Segundo a professora, os intérpretes não poderão exercer o papel de ensinar a disciplina porque é necessário conhecer bem a gramática e o vocabulário de sinais. 
“A quantidade de intérpretes no Brasil é muito maior, mas a língua de sinais não é apenas uma língua que mexeu com a mão, aprendeu, é uma língua muito complexa e sintética. O intérprete tem o papel de interpretar e não traduzir, e aprende o básico para auxiliar na comunicação com os surdos”, informou. 

Referência

O Instituto Nossa Senhora do Brasil (Inoseb), sediado em Brasília, é referência no atendimento à comunidade surda e oferece espaço de formação, integração, convivência entre os surdos e seus familiares para uma troca de experiência e partilha de ideias e soluções para uma maior inclusão diante das dificuldades encontradas na sociedade.
Segundo a irmã Maria da Conceição, uma das gestoras do Inoseb, a inserção de Libras no currículo das escolas brasileiras é importante.

“Em nosso currículo se aprende inglês e espanhol, que são línguas estrangeiras, há de se perguntar por que não inserir o ensino desta língua nacional que favorece a comunicação com os surdos e está interligada com a dinâmica de inclusão social conforme proposto pela legislação. Ensinar Libras em nossas escolas é contribuir para uma sociedade inclusiva e sensível às diversas formas de se comunicar”. Ela explica que hoje o ensino de Libras é feito só por instituições educacionais ou sociais. “Libras é muito mais prática do que teoria”.

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