Deputados se ausentam em mais de 1,4 mil missões especiais em 2019

O uso excessivo da ferramenta para justificar a ausência das sessões plenárias é maior do que o registrado em 2018, ano de eleições estaduais; levantamento coincide com o cenário de debates repetidamente esvaziados no plenário

Escrito por Jéssica Welma , jessica.welma@svm.com.br
Legenda: As sessões da Assembleia Legislativa têm estado mais esvaziadas do que em 2018, o que afeta os debates na Casa
Foto: Foto: José Leomar

Quarta-feira, 27 de novembro, o relógio marca 9h47 quando é iniciada a Sessão Ordinária da Assembleia Legislativa – quase uma hora após a previsão regimental. O painel eletrônico marca a presença de 23 deputados (o quórum para abertura de sessão é de 16). No plenário, de fato, há apenas três para iniciar a sessão. Por não ser dia de votações, a quarta-feira já é conhecida pelo pouco movimento. Seria comum se o cenário não se repetisse por outros dias da semana.

O esvaziamento do plenário, que afeta discussões de temas relevantes para a população, coincide com um aumento, em comparação com 2018, do número de comunicação de deputados em “missão especial” – um instrumento previsto no Regimento da Casa que abona a ausência do parlamentar em atividades externas, sem limite de uso e sem detalhamento de justificativa.

Entre a primeira sessão da atual legislatura, em 6 de fevereiro, até 22 de novembro, na 145ª sessão – a última disponibilizada no site da AL-CE –, foram contabilizadas 1.460 missões especiais de 51 deputados, entre titulares e suplentes. O levantamento é do Núcleo de Dados do Sistema Verdes Mares com base nas atas das sessões. Reportagem do Diário do Nordeste em 2018 mostrou que o número de missões especiais foi de 1.044 até 8 de novembro, ou seja, com 30 sessões a menos. Àquela época, pesava para o número, segundo alguns deputados, o fato de ser um ano eleitoral.

O aumento, no entanto, não é só no total. No ano passado, o deputado que mais somou missões especiais totalizou 47 ocorrências. Neste ano, o líder, o deputado João Jaime (DEM), soma 75 ausências por missão especial, mais da metade do total de sessões plenárias realizadas desde o início da atual legislatura. 

De acordo com o Regimento Interno do Legislativo, é considerado em “missão especial” o deputado ausente que estiver “participando de eventos de interesse público, tais como: audiências em órgãos ou entidades públicas, debates, seminários, congressos ou atos públicos de interesse popular, que configure exercício do mandato parlamentar e para os quais haja sido oficialmente convidado”. Apesar disso, ausências constantes de alguns deputados ao plenário têm dividido opiniões entre os próprios parlamentares.

“O parlamentar tem vários tipos de ação: no plenário, em atendimento às pessoas no próprio gabinete... Como somos representantes dos municípios, temos o trabalho no interior de visitar, fazer reuniões. Criou-se uma imagem de que, se o deputado não estiver sentado na cadeira (do Plenário 13 de Maio) toda hora, na sessão, é como se não estivesse trabalhando. Ninguém é obrigado a ficar ouvindo discurso ali que não tem nada a ver com as questões do seu mandato”, afirma João Jaime. 

Experiente no Legislativo, o deputado do DEM mais que dobrou a quantidade de missões especiais em 2019 (foram 34 em 2018). Segundo ele, as ausências foram em decorrência das demandas eleitorais nos municípios às vésperas de novas eleições.

“Tirei o ano para reestruturar o DEM, meu partido. Hoje (na última sexta-feira, dia 29) estou em Canindé, ontem estive em Tejuçuoca e amanhã estarei em Acaraú. É um ato parlamentar. Se você não visita as bases, não vai para o interior, você recebe reclamações das pessoas”, diz.

Avaliação
Nas sessões 48ª, 91ª, 94ª, 107ª e 115ª havia mais deputados em missões especiais do que nas sessões ordinárias. O deputado Apóstolo Luiz Henrique (PP), que está no primeiro ano de mandato, já somou 67 missões especiais em 2019. “Sou um deputado que não ando muito no interior, mas aqui, em Fortaleza, tenho bases, comunidades que visito, é o meu trabalho exercido há muitos anos, de antes de ser deputado. É um trabalho de sacerdócio. Visitamos casas, famílias, bases, estamos sempre trabalhando”, argumenta o deputado. Para ele, a ausência no plenário não prejudica a rotina na Casa.

O presidente da Assembleia, deputado José Sarto (PDT), afirma que a quantidade de missões especiais não atrapalha o desempenho do Legislativo. Ele ressalta a redução na quantidade de sessões que não ocorreram por não ter parlamentares suficientes e o aumento na produção legislativa, com 303 matérias aprovadas até este mês de novembro, somando 92 proposições a mais que em igual período do ano passado. A Casa também realizou 149 sessões ordinárias neste ano, enquanto 2018 registrou 137. O número de extraordinárias – 119 em 2019 – também supera em dez o total do ano anterior.

O alcance do quórum para abertura de sessões, contudo, não é garantia de participação de parlamentares nos debates. Na última semana, com exceção da sessão da quinta-feira (28), dia de votação, era difícil contar mais de dez deputados presentes em plenário ao mesmo tempo. 

Regimento
O presidente da Comissão Especial de Reforma e Atualização do Regimento Interno da Assembleia, Audic Mota (PSB), afirma que não há previsão de mudança no que diz respeito aos regramentos das missões especiais.

“Você não tem como limitar a quantidade de missões especiais porque, primeiro, não podem ser obrigatórias. Por exemplo, a Mesa Diretora não pode obrigar ninguém a ir representando a Mesa em determinado evento. Como pode ter um deputado que se disponha a ir muito mais vezes do que outros. Isso, regimentalmente, é uma justificativa, uma maneira de fazer uma estatística e diferenciar quem está ausente do plenário sem justificativa e quem está ausente em alguma missão especial”. 

Para o registro da missão especial na ata, é necessário “comunicar à Mesa Diretora, com antecedência mínima de 24 horas”, diz o Regimento. Muitas vezes, no entanto, o comunicado é feito “de boca” ou mesmo por meio de aplicativos de trocas de mensagens, como o WhatsApp, sem a necessidade de formalização ou de comprovação de convite. 

Quando a falta não é abonada por licença ou missão autorizada, o deputado sente o peso no bolso. O Regimento define como pena a perda de 1/30 (um trinta avos) da remuneração, por falta registrada. O documento define ainda que o deputado deve comparecer a, no mínimo, dois terços das Sessões Ordinárias, com exceção também para licenças e missões especiais. 

 

 

Plenário esvaziado
Em montante bem distante das ausências por missões especiais, as faltas justificadas de deputados no mesmo período de 2019 somam 70, enquanto as faltas sem justificativas chegam a 36. O máximo de faltas não justificadas pelo mesmo parlamentar chega a apenas cinco. 

Diferentemente de 2018, quando, até o início de novembro, 18 sessões não haviam sido realizadas por falta de quórum; em 2019, isso aconteceu em apenas seis datas, todas às sextas-feiras. Ainda assim, a rotina nas sessões tem sido de poucos parlamentares no plenário. 

“Idas a ministérios em Brasília, busca de soluções regionais em secretarias, representações da vida parlamentar em outros encontros: isso evidentemente faz parte do ‘diarismo’, mas não justifica essa micropopulação parlamentar diária na Assembleia”, sustenta o deputado Fernando Hugo (PP), o mais antigo da Casa, eleito para a Assembleia pela primeira vez ainda em 1990. 

A justificativa de muitos deputados para o esvaziamento do plenário é o desempenho de atividades concomitantes com as sessões, como reuniões em secretarias de Governo, nos gabinetes e outros despachos. “Os prefeitos exigem muito da gente”, argumenta Lucílvio Girão (PP). 

Além da sessão
“Há deputados que vêm para cá, dão a presença e vão despachar no gabinete, vão pra os despachos nas secretarias... Já solicitei aos secretários que não marquem audiência na hora das sessões. Às vezes é uma excepcionalidade. O ideal é que isso ocorra fora do período ordinário de sessão”, pontua José Sarto. 

Uma das deputadas que menos registraram missões especiais em 2019, Dra. Silvana (PL) é assídua no uso da tribuna. “Não vejo problema para meu mandato com a ausência dos colegas que não gostam tanto assim de plenário. O fato de ser televisionado me estimula a fazer uma prestação de contas diária ao meu eleitor. Já falei aqui só para o presidente (da sessão). Eu falando, apresentando meu projeto, sem interferência”, diz. 

“Os problemas dos municípios são de várias naturezas, às vezes você está no município, às vezes usa a tribuna para contestar, cobrar. Com o tempo, a gente vê que não adianta ficar ali falando de questões nacionais, Bolsonaro, PT, Lula... A pauta hoje é muito mais de questões nacionais do que de problemas no Ceará. Não vou contribuir com isso”, afirma João Jaime. 

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