“O principal desafio é a expansão para o interior do Estado”, diz Mariana Lobo

Ao fim do mandato à frente da Defensoria Pública do Estado do Ceará, Mariana Lobo ressalta avanços e reforça busca pela interiorização do direito à defesa

Escrito por Wagner Mendes ,
Legenda: A defensora pública ficou no cargo até esta sexta-feira (29)
Foto: Foto: Léo Andrade/DPCE

Em outubro deste ano, 35 novos defensores públicos foram convocados no Ceará. Eles assumiram funções em 12 municípios do interior que ainda não tinham profissionais na área e reforçaram outros nove. As nomeações aumentaram o alcance dos atendimentos feitos pelo órgão, atingindo cerca de 77% de cobertura no Estado.

A política de reforço do quadro para os próximos anos continua sendo o principal desafio para o cumprimento da previsão Constitucional, do direito de defesa de todos os brasileiros, segundo a defensora pública Mariana Lobo.

Entregando, ontem (29), o posto de defensora geral no Ceará, ao fim do mandato iniciado em 2015, ela reforça que o fortalecimento do quadro precisa estar alinhado ao compromisso de interiorização da instituição. A partir de segunda (2), assume o comando, da Defensoria, a defensora pública Elizabeth Chagas. Veja os principais trechos da entrevista com Mariana Lobo.

Quais os desafios enfrentados na gestão da Defensoria Pública?

A gente teve uma preocupação quando assumimos a Defensoria de tentar fazer com que a Defensoria ficasse mais próximo do seu público alvo, que ainda existia um desconhecimento muito grande de o que é o defensor, o papel de um defensor, da instituição. A gente tentou traçar projetos e políticas que pudessem tirar o defensor público de dentro dos seus gabinetes e cada vez mais aonde as pessoas estavam.  

Em 2015 quando nós assumimos, nesse ano a Defensoria atendeu cerca de 593 mil pessoas. E no ano de 2018, chegamos a atender 977 mil pessoas. Foi um crescimento de 64% no número de pessoas atendidas anualmente, apesar de não termos crescido na mesma proporção no número de defensores.  

Esse crescimento se deve há alguns fatores. E é exatamente o legado que a gente deixa. Se deve às questões de reestruturação do órgão, onde a gente passou a atender em macrorregiões no interior do Estado, quando passamos a atender aos sábados e domingos, aqui na Capital, na região do Cariri e em Sobral, e uma reestruturação administrativa de poder cada vez mais poder potencializar o trabalho do defensor.  

Essas ferramentas fizeram com que cada vez mais a gente tivesse perto da população, ir até aonde as pessoas estavam, com uma capilaridade maior. A gente fez alguns projetos como a Defensoria em Movimento que foi nessa perspectiva de ir aonde a população estava, e fizemos, o que foi pioneiro no sistema de justiça, que foi o Orçamento Participativo, que acabamos ganhando o prêmio Innovare por isso, porque a gente passou a abrir o orçamento da Defensoria. Não só debate com a população e pergunta a ela quais são as prioridades que Defensoria Pública deve ter como a gente mostra os recursos que a gente tem e que o que a gente gasta. 

Como ocorreu o processo de interiorização?

A gente conseguiu afirmar a expansão da Defensoria no interior do Estado, que era algo muito difícil para a instituição. A instituição chegava no interior e logo depois o defensor saía do interior por uma série de razões: por evasão na carreira, por número de quadros... Mas nesses quatro anos, todos os municípios em que a gente abriu, não fechamos nenhuma — e conseguimos ampliar ainda mais.  

Hoje começamos um plano de expansão no interior do Estado, onde todas as cidades até 48 mil habitantes contam hoje com a atuação da Defensoria Pública, o que dá cerca de 60% a 65% da população atendida pela Defensoria porque são cidades com maior densidades populacionais. Tínhamos seis espaços próprios no interior, e agora conseguimos oito novas sedes, a última foi em Crateús. Na perspectiva de deixar a Defensoria Pública com uma identidade, com um prédio, para que a gente possa solidificar a política de acesso à Justiça no interior.  

Ao conseguir saltar de seis para 14 sedes, a gente consegue fazer com que a Defensoria tenha uma identidade naquele município e a população passe a cobrar a manutenção da Defensoria naquele município porque a partir do momento em que há o equipamento tem que ser mantido. A qualidade do trabalho é maravilhosa porque tem a oportunidade de ter o atendimento individual.  

Qual a percepção da população nessa interiorização?

A população passa a conhecer mais os direitos que ela tem. A gente observa o empoderamento da população, na perspectiva dos direitos que ela tem, de saber que ela pode exercer, isso é muito importante. O papel da Defensoria no interior é um papel fundamental de transformação social, de construção da cidadania. Você percebe a mudança na forma como a população lida também com o Poder Público local.  

Como se evitou o enfraquecimento das sedes? 

Só optei em abrir sedes se eu conseguisse ter uma margem de mais de um defensor. Antigamente, se abria em um município e tinha uma evasão na carreira, uma pessoa saía e abria a vaga. Tentei colocar mais de um defensor nos municípios. São poucos os que têm só um. Aí eu tenho a margem de reserva. Eu optei: ao invés de sair colocando um defensor em cada município, eu colocar dois ou três em uma sede.  

Também houve as designações. Quando saía um defensor de um interior mais próximo, eu não abria para designação. Tentava remanejar com os defensores que eu tinha na região para evitar que um defensor do mais longe fosse para o mais próximo. E tinha um concurso válido. Na medida que um saía eu conseguia fazer a reposição. Sem esses três pontos eu não teria conseguido.  

Quando deixo de ter seis para ter 14 sedes, eu passo a ter um prédio, um equipamento, eu não posso fechar mais. Essa foi a minha preocupação de sair inaugurando equipamentos no interior para que a política seja cada vez mais consolidada. Essa necessidade da Defensoria ter os seus equipamentos no interior para referenciar a população é importante para a manutenção da política.  

A Defensoria tem controle do perfil de atendimento?  

A gente trouxe uma pesquisadora para implementar esse núcleo, a gente está traçando o perfil do nosso assistido e as políticas públicas que a gente está atuando. A gente vai divulgar os nossos dados da saúde e a gente consegue diagnosticar qual a nossa maior demanda. Foi exame? Foi medicamento? Foi consulta? A gente vai sair com esse estudo agora para dizer que o perfil das pessoas que procuram a Defensoria e a demanda comum. Isso é muito importante para nos auxiliar na promoção de políticas públicas. (...) Quando a gente for falar, é com números, com dados. Judicializo saúde por medicamento, por isso, por aquilo... 

Quais os gargalos que mais persistem? 

Um desafio que é constante é a gente cada vez mais firmar modelo público de acesso à Justiça. A gente tem um modelo público de acesso à Justiça porque a gente tem um defensor público quando atua na assistência daquela pessoa não está preocupado apenas em uma demanda judicial, está preocupado na solução daquele problema que chega, independente de quem seja a pessoa. Esse modelo, que é o constitucional, que tem que ser afirmado todos os dias. Nós temos uma instituição que trabalha pela garantia de direitos da população vulnerável. Essa instituição tem que estar presente e essa garantia de direitos é via Defensoria Pública.  

Mas eu acho que o principal desafio da Defensoria Pública ainda é a expansão para o interior do Estado, ainda é esse equilíbrio no sistema de Justiça. O sistema de Justiça é composto pelo Poder Judiciário, que tem o Estado que julga, o Estado que acusa, o Estado que defende. Quando não tenho esse equilíbrio em número de pessoal, de orçamento, vou ter um desequilíbrio. O desafio ainda é encontrar esse equilíbrio no sistema de Justiça através da ampliação dos quadros de defensores.  

A Defensoria, por exemplo, é a única instituição do sistema de Justiça cearense que não tem quadro de apoio próprio, ou seja, é a única instituição desse sistema que não tem quadro de servidores. O defensor canta, assobia, assopra... faz tudo e mais um pouco. Esse desafio precisa ser vencido. O principal desafio é a expansão para o interior do Estado. São mais de 130 cargos vagos de defensor, são muitos. Temos o maior número de defensores se comparamos o número de magistrados e promotores.

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