Novo procurador-geral de Justiça do Ceará reconhece dificuldades de fiscalizar eleição no interior

Em entrevista ao Diário do Nordeste, ele aponta os desafios do órgão em garantir a presença de promotores em todos os municípios para combater corrupção eleitoral, diante da carência de pessoal e da falta de estratégia contra as "fake news"

Escrito por Inácio Aguiar e Jéssica Welma , politica@svm.com.br
Legenda: Novo procurador-geral de Justiça, Manuel Pinheiro, será empossado na segunda-feira (6)
Foto: Foto: Thiago Gadelha

Escolhido pelo governador Camilo Santana (PT), a partir de lista tríplice, como o novo procurador-geral de Justiça do Ceará, Manuel Pinheiro Freitas, começa oficialmente amanhã a jornada à frente da instituição. Ele assume o Ministério Público do Ceará em um ano de eleições municipais, no qual, reconhece: o protagonismo do órgão agora é maior do que nas eleições gerais.

São 184 municípios para administrar a fiscalização contra corrupção nas campanhas políticas, tendo à disposição uma equipe que, atualmente, carece de preencher cerca 80 vagas de promotores e está muito perto do limite de gasto com pessoal. Na entrevista a seguir, Manuel Pinheiro reconhece as dificuldades do órgão em fiscalizar a corrupção eleitoral e aponta metas. Dentre elas, estão reduzir os índices de criminalidade, modernizar a instituição, combater a corrupção eleitoral e fazer com que o órgão seja proativo, se antecipe aos fatos.

Qual a prioridade para os próximos dois anos?

Nos últimos quatro anos, tivemos grandes avanços em relação à infraestrutura, ao pessoal, mas ainda não estamos na situação ideal. Esse déficit foi acumulado por trinta anos. Conseguimos boas instalações físicas, na Capital principalmente, com as promotorias criminais, as promotorias cíveis e com os órgãos de investigação, mas temos de dar muita atenção às instalações físicas do interior, que também têm uma deficiência de pessoal. O Ministério Público tem uma gama de atribuições muito amplas. Essas tarefas todas exigem da gente uma disponibilidade de recursos humanos, materiais e tecnológicos. E não faltam atribuições sendo colocadas para o Ministério Público. Dia após dia o Congresso Nacional aprova leis que colocam novas responsabilidades para o Ministério Público e nós temos que ter os recursos correspondentes para podermos desempenhar com excelência essas funções.

Na campanha, o senhor focou em temas como inovação, proatividade, transparência e eficiência. O que vem como proposta?

O Ministério Público do Ceará hoje é o mais transparente do Brasil. Dar contas à sociedade de cada centavo investido foi uma conquista que temos de manter e de ampliar. Temos alguns processos de inovação que estão em curso, como a implantação dos serviços de automação dos processos administrativos-judiciais. Durante muito tempo o Ministério Público teve uma atuação reativa, não se antecipava aos fatos para buscar ter certo protagonismo nas soluções. É isso que a gente quer que aconteça. O programa Tempo de Justiça, do qual, inclusive, fui o coordenador até bem pouco tempo, é um desses exemplos. Nós conseguimos, mudando rotinas de trabalho e procedimentos, reduzir pela metade o tempo de tramitação dos casos de homicídio em Fortaleza.

Um dos grandes desafios nesse próximo período é o combate ao crime organizado. Já há uma estratégia?

Nós temos um conjunto de estratégias que envolve todos os atores do sistema: uso da inteligência, combate à lavagem de dinheiro... É quase um mantra para quem trabalha nessa área que você tem de reduzir os ganhos que as organizações têm - afinal de contas, quem entra nessa área, entra pelos ganhos, não entra para matar e morrer, entra pelo que pode lucrar.

Existe uma preocupação na relação entre o crime organizado e a política. O que pode ser feito em termos de prevenção?

O Gaeco e a Procap vão dar atenção a esse tipo de fenômeno. Já foi noticiada, em alguns lugares do Nordeste, a interferência do crime organizado para direcionar licitações para as empresas que estariam sendo controladas por essas organizações. O desafio das eleições vai bem além disso. O MP vai se preparar através dos promotores eleitorais para cumprir o papel de combater o abuso de poder econômico, de poder político, a compra de votos... Outro desafio também dessas eleições é fiscalizar a aplicação correta dos recursos do fundo eleitoral, que são mais abundantes. Cuidar para que esse recurso seja bem utilizado e também para que não haja financiamento clandestino.

O que é mais difícil nesse desafio de combate aos crimes eleitorais?

Primeiro, nós temos uma situação complicada por conta da carência de promotores no interior. Temos um concurso que acabou de ser lançado. Temos muitos promotores no interior trabalhando em três, quatro, cinco comarcas. Temos mais de 80 cargos vagos na carreira, e a maior parte no interior. Vamos ter que criar alguma estrutura, pelo menos mais próximo à eleição, para que consigamos levar promotores que estão na Capital para atender no interior para que a gente tenha uma fiscalização mais efetiva.

Já participei de muitos processos eleitorais. A gente sempre tem a preocupação, principalmente com abuso de poder econômico e com a corrupção eleitoral em si. É algo muito difícil de ser fiscalizado, principalmente na condição em que a gente está. Às vezes a informação é até inverídica para causar prejuízo a um adversário político. O MP precisa ter muito equilíbrio. Nós temos promotores muito experimentados nisso, para saber distinguir esse tipo de armadilha. A função do MP no processo eleitoral é ser um magistrado que apure as irregularidades de forma isenta.

Há algo preparado para o combate às fake news?

Nós ainda não temos uma estrutura montada para fazer o monitoramento eletrônico das notícias falsas. A gente vai ter que, suponho, contar muito com o apoio das próprias redes sociais. A legislação está sendo aperfeiçoada em relação a isso. É tentar conseguir a retirada dessa notícia falsa e promover a responsabilidade de quem a inserir.

O MP vai seguir a reestruturação das comarcas do interior proposta pelo Tribunal de Justiça?

A gente vai analisar o modelo que seja mais conveniente para os interesses da sociedade no trabalho do MP. Não tenho como garantir numericamente quantas vão ficar abertas nessas cidades que estão sendo agregadas porque eu preciso mapear o orçamento, ver as implicações todas dessa reforma. Entendo as razões de ordem econômica, de ordem de organização para melhorar a produtividade, mas o MP é uma instituição também que tem as suas características próprias e vai buscar um modelo que seja mais eficiente pra prestação de serviços judiciais e extrajudiciais. No judicial, eu acho que vai acompanhar o modelo que o Tribunal está propondo, mas, na parte extrajudicial, a gente talvez adote um modelo diferente.

O Tribunal de Justiça reconhece, por exemplo, que há muitos cargos vagos de juiz, mas há também uma restrição orçamentária que não permite preencher todos esses cargos. Como está essa realidade no MP? É possível a gente dizer que nos próximos anos vai haver mais concursos para promotor?

Não, infelizmente. As leis atribuíram ao Ministério Público uma grande quantidade de funções, nós temos promotorias que atuam em diversas áreas, nós queríamos ter mais membros, mais servidores, mais assessores, mais estagiários, mas o limite que nós temos em relação ao comprometimento da despesa com pessoal em relação à receita líquida, não nos permite ampliar a quantidade de membros.

A reestruturação no Ministério Público trouxe também insatisfações. Como pacificar os interesses a partir de agora?

Os promotores são muito cobrados. Há muitas atribuições para cumprir, e a gente, infelizmente, não tem a estrutura ideal. Isso realmente é um fator de tensão. Temos profissionais muito bons, muito qualificados, mas nem sempre somos capazes de acumular tantas atribuições como nós estamos acumulando, de um esforço para além do normal, é uma reclamação constante.

Temos aí o pacote anticrime que criou mais várias situações em que o MP terá que atender novas exigências da lei. Mas esse é o desafio. É contar mais uma vez com o sacrifício dos promotores. Eles têm feito um grande esforço, a sociedade reconhece isso. Sem querer sobrecarregá-los, vamos tentar colocar à disposição, um pouco mais de recursos humanos, dentro da limitação da lei de responsabilidade fiscal, e mais recursos tecnológicos.

Qual grande mudança o senhor pretende fazer?

O MP tem muitos desafios, mas o que nós queremos, como meta é ajudar na promoção dos direitos fundamentais. Nós queremos dar a nossa contribuição para que todos os índices de criminalidade sejam reduzidos. Se a gente conseguir que, ao final de dois anos, as taxas de homicídio caiam ainda mais, ficarei muito satisfeito, terei cumprido minha missão.

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