Inquérito contra 'fake news' gera divergências entre Supremo e PGR

PGR defendeu o arquivamento do inquérito que apura ameaças contra o Supremo, mas o ministro do STF, Alexandre de Moraes, decidiu ignorar o parecer

Escrito por Redação ,
Legenda: Ministros do Supremo Tribunal Federal viraram alvo de ameaças, motivando um inquérito
Foto: STF

A queda de braço entre Procuradoria Geral da República e Supremo Tribunal Federal ganhou mais um capítulo. O ministro Alexandre de Moraes, do STF, ignorou, nesta terça-feira, a determinação dada horas antes pela procuradora-geral da República, Raquel Dodge, para arquivar o inquérito que apura ataques contra a Corte e os ministros. Com isso, as investigações, que estão sob sigilo, devem continuar abertas. O presidente do Supremo, Dias Toffoli, que abriu o inquérito, concedeu mais 90 dias para as apurações serem concluídas.

No ofício enviado ao STF, Dodge deixou claro que não levaria em conta nenhum elemento do inquérito para apresentar denúncia contra investigados. Ela também pediu que as medidas adotadas durante as investigações fossem todas anuladas. Segundo a procuradora, não foi delimitado o episódio específico a ser investigado, nem tampouco os alvos.

O inquérito foi aberto em 14 de março pelo presidente do STF, Dias Toffoli. Ele designou Moraes para relatar o caso. Normalmente, um inquérito é aberto no tribunal a pedido da PGR. Esse inquérito nasceu de forma diferente, com base em artigo do Regimento Interno da Corte. Na decisão, Moraes afirmou que o pedido de arquivamento da PGR "não se configura constitucional e legalmente lícito", já que a investigação não foi solicitada pelo Ministério Público.

Dodge explicou que não há sentido um inquérito para investigar ataques ao STF tramitar no próprio tribunal.

"Note-se que a competência da Suprema Corte é definida pela Constituição tendo em conta o foro dos investigados e não o foro das vítimas de ato criminoso. Ou seja, a competência do Supremo Tribunal Federal não é definida em função do fato de esta Corte ser eventual vítima de fato criminoso", escreveu.

Críticas

Entre os fatos investigados, estão ataques ao Tribunal em redes sociais e também manifestações críticas à Corte de autoria de procuradores da Lava-Jato. Na segunda, Moraes ordenou que os sites Crusoé e O Antagonista retirassem do ar uma reportagem sobre Toffoli. Ontem, outros mandados de busca foram cumpridos pela Polícia Federal, também a mando de Moraes.

No ofício, a procuradora-geral explicou que "o sistema penal acusatório estabelece a intransponível separação de funções na persecução criminal: um órgão acusa, outro defende e outro julga". Para ela, não se admite que "o órgão que julgue seja o mesmo que investigue e acuse". Ela também defendeu a "isenção e imparcialidade do Poder Judiciário" no regime democrático.

Dodge também criticou o fato de Toffoli ter designado o relator para o inquérito, sem sortear um nome, como determina a praxe. Ainda segundo ela, a forma como o inquérito foi instruído "ferem o sistema penal acusatório e a Constituição". A procuradora-geral pode recorrer da decisão de Moraes e pedir para o arquivamento do inquérito ser analisado em plenário.

Mesmo que o inquérito continue aberto, a investigação terá poucas chances de prosperar. Isso porque, para um inquérito avançar, o Ministério Público precisa denunciar os investigados. Se a chefe do Ministério Público já declarou que não concorda com as investigações, a apuração ficará estacionada na fase policial, sem chance de punição para eventuais criminosos.

OAB

Já a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) criticou, nesta terça-feira, a decisão de Moraes de tirar do ar reportagem e notas publicadas pelos sites Crusoé e O Antagonista sobre Dias Toffoli.

"Nenhum risco de dano à imagem de qualquer órgão ou agente público, através de uma imprensa livre, pode ser maior que o risco de criarmos uma imprensa sem liberdade, pois a censura prévia de conteúdos jornalísticos e dos meios de comunicação já foi há muito tempo afastada do ordenamento jurídico nacional", afirma a nota da diretoria nacional da OAB.

"Pensar diverso é violar o princípio tão importante que foi construído depois de tempos de ditadura e se materializou no art. 220 da Constituição Federal, mesmo havendo sempre a preocupação para que toda a sociedade contenha a onda de fake news que tem se proliferado em larga escala", continua o texto.

A OAB afirmou, em seu comunicado, ser legítima defensora das liberdades e manifesta "preocupação com a decisão". "Em qualquer democracia, a liberdade vem atrelada à responsabilidade, não crível afastar de responsabilização aqueles que por qualquer razão ou interesse possam solapar o correto uso da liberdade garantida para fins proibidos na legislação brasileira, mas somente após obedecidos os princípios da ampla defesa e do contraditório, dentro de um devido processo legal", disse a nota.

A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, quer o arquivamento do inquérito sobre os ataques ao STF, mas o ministro do Supremo, Alexandre de Moraes, indicou que a investigação vai continuar

Blog investigado

Alvo da ação nesta terça-feira que investiga ofensas a ministros do STF, o general da reserva Paulo Chagas é um crítico contumaz de magistrados da Corte. O militar, que se candidatou ao governo do Distrito Federal, no ano passado, pelo PRP, mantém há seis anos um blog em que tece críticas frequentes aos ministros do STF, em especial ao presidente Dias Toffoli e aos também ministros Ricardo Lewandowski, Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes. Os ministros chegaram a ser resumidos pela expressão "diminutos fantoches"

Sem vitória nas urnas

As opiniões de Chagas são amplificadas por seus dois perfis mais populares nas redes sociais: mais de 30 mil usuários aderiram às páginas dele no Facebook e no Twitter. Ainda que a popularidade virtual não tenha se convertido em aprovação das urnas (ele terminou o primeiro turno em quarto lugar, com 7,35% dos votos), as postagens têm alta taxa de resposta, principalmente no Twitter: há mensagens que foram republicadas por mais de 3 mil pessoas e curtidas por mais de 15 mil

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