Iniciativas de participação social ainda têm efeito tímido

Câmara lança canais de participação pela internet, mas pouco legisla para aumentar participação popular

Escrito por Redação ,
Legenda: Presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), ao lançar a Pauta Participativa, disse que a ferramenta "aproxima a Câmara da sociedade"
Foto: Foto: Agência Câmara

Com credibilidade abalada por escândalos de corrupção e outros episódios que colocam em xeque o ideal de representatividade do modelo democrático brasileiro, a Câmara dos Deputados tem tentado, a partir de instrumentos de participação popular, aproximar a população do Poder Legislativo. Na última semana, por exemplo, lançou uma ferramenta chamada Pauta Participativa, que promete ao cidadão a possibilidade de opinar em consulta pública online e levar propostas diretamente à pauta do plenário para votação.

> Ferramentas não refletem produção legislativa

Ela se soma a outras iniciativas da Casa que apontam para o mesmo propósito, mas, apesar do surgimento de tais possibilidades, os deputados pouco legislam para dar à população mais espaço no processo legislativo. Cientistas políticos entrevistados pelo Diário do Nordeste avaliam que a participação popular no Legislativo ainda é limitada e, portanto, as ferramentas, embora representem avanços, não necessariamente melhorarão, em curto prazo, a desgastada imagem do Parlamento brasileiro frente à sociedade.

Lançada em solenidade no Salão Verde da Câmara na última terça-feira (12), a Pauta Participativa permite ao cidadão opinar, via internet, sobre projetos de lei que devem ser votados pelo plenário. A cada edição, serão apresentadas propostas de três assuntos que estejam prontas para deliberação. Ao final do período de consulta, de 15 dias, o Legislativo colocará na pauta do plenário os projetos de cada tema que tenham obtido o maior saldo positivo de votos.

"Dentro de cada um desses temas, o cidadão vai ter de quatro a sete opções para votar, sendo dois votos a favor e um contra", detalhou à Agência Câmara o diretor do Laboratório Hacker da Casa, Cristiano Ferri. Nesta primeira edição, os projetos disponíveis à consulta tratam de política, segurança e saúde.

Observação

A primeira votação fica aberta até 27 de setembro e será acompanhada por "observadores independentes" de três instituições: a ONG Transparência Internacional, o Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB) e o grupo de pesquisa em Comunicação e Participação Política da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Vice-coordenador do grupo, o cientista político e professor da UFPR, Rafael Sampaio, explica que a Pauta Participativa é um experimento-piloto que deve ter três edições. O trabalho dos observadores servirá para "aprimorar o mecanismo", que poderá, depois, ter continuidade.

Ele ressalta que a ferramenta é inovadora em relação a outras iniciativas de participação popular, uma vez que "mudou o curso da intervenção do cidadão". Isso porque dispositivos constitucionais como os projetos de iniciativa popular situam a atuação do cidadão no ponto de partida do processo legislativo - a proposição. Já com a Pauta Participativa, diz o cientista político, as pessoas poderão participar da etapa final da tramitação de matérias, encaminhando-as para votação no plenário da Câmara.

Rafael Sampaio avalia que, com esta e outras ferramentas, como o Disque-Câmara, o portal e-Democracia e a Ouvidoria Parlamentar, a Câmara baixa torna-se "mais aberta, mais porosa", mas, conforme pondera, ainda é cedo para projetar se, no atual cenário de descrédito conferido à classe política por parte da população, a Pauta Participativa terá efetividade na promoção de uma maior participação popular no Poder Legislativo.

"Com essa descredibilidade, mesmo quando o governo abre essas oportunidades, muitas vezes o cidadão se sente desconfiado, desconfortável em participar, até porque, no caso da Câmara, pode ter um grupo nesse momento majoritário que não é necessariamente o que você apoia", diz, mas acrescenta: "Acho bem importante que a Câmara, o Legislativo, os políticos de maneira geral entendam que, para lidar com esse descrédito, é necessário um conjunto de ações, e a participação pode ser uma delas".

Jessica Voigt, mestre em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP), por sua vez, considera que, embora sejam "bem-vindas", não há garantia de que iniciativas como a Pauta Participativa sejam efetivas. "Políticos respeitam lideranças partidárias e tudo o que lhe dá perspectiva de se manter no poder. Sendo assim, mesmo que essa ferramenta 'pegue' e que as pautas mais consensuais alcancem a ordem do dia, dificilmente essa ferramenta implicará em grandes mudanças da orientação dos parlamentares", opina.

Ao analisar a ferramenta, a cientista política atenta, ainda, para o fato de que "não estão claros quais são os critérios de escolha das propostas que estarão sujeitas à votação para entrar na ordem do dia", o que, para ela, é aspecto "preocupante". "O Pauta Participativa acaba se tornando mais uma iniciativa de ratificação, uma vez que o controle real da agenda segue com quem seleciona os projetos a serem votados".

Índices

De acordo com informações do site da Câmara, existem hoje pelo menos dez canais de interação direta dos cidadãos com o Legislativo. Os índices de participação, contudo, ainda são tímidos em relação à totalidade de eleitores brasileiros - 144 milhões em 2016. No ano passado, por exemplo, a Central de Comunicação Interativa, responsável pelo Disque-Câmara e pelo Fale Conosco do portal da Casa, realizou 100.004 atendimentos, número menor que em 2015, quando foram 205.985. Ainda em 2016, 10.288 notícias do portal da Câmara receberam comentários. Em 2015 foram 67.606, no total.

Rafael Sampaio, professor da UFPR, destaca que ferramentas como o Disque-Câmara, o portal e-Democracia e a Ouvidoria Parlamentar têm características de interações "individuais", enquanto a Comissão de Legislação Participativa da Casa, criada em 2001, por exemplo, abrange manifestações de caráter coletivo, vindas, em muitos casos, de movimentos sociais e organizações da sociedade civil. Para ele, contudo, "a sociedade poderia se apropriar mais" dos meios de participação, como ocorreu com o "e-Gov" no Governo de Barack Obama, nos Estados Unidos.

Visibilidade

Jessica Voigt, por outro lado, pondera que o debate público não se restringe a uma ferramenta. "Não é porque o e-Democracia registrou apenas 129 propostas cidadãs de emendas na reforma tributária que esse assunto não foi amplamente discutido pela sociedade brasileira. Pelo contrário, lá foi apenas um canal que determinados cidadãos acharam mais eficaz para expor suas sugestões. Outros cidadãos preferem protestar ou expor sua opinião em colunas abertas na imprensa, por exemplo".

Segundo ela, os cidadãos se apropriam das ferramentas que acham que serão mais eficazes para terem suas demandas ouvidas. "Se eles percebem que irão obter mais visibilidade em uma rede social do que em um canal oficial, por exemplo, tenha certeza que eles irão se manifestar na rede social", aponta.

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