Homenagens refletem uso político da Medalha Boticário Ferreira

Maior honraria da Câmara Municipal é distribuída entre apoiadores e aliados dos parlamentares. Presidente da Casa, Antonio Henrique (PDT), sustenta que há ferramentas para evitar que a comenda, criada em 1981, seja desvirtuada

Escrito por Renato Sousa ,
Legenda: Para tramitar, o requerimento da comenda precisa ter assinatura de pelo menos 29 dos 43 vereadores
Foto: Foto: Helene Santos

Há cerca de um ano, Adriano Bento (Patri), suplente que havia assumido durante licença de José Freire (Patri) na Câmara Municipal de Fortaleza, apresentou um nome para ser agraciado com a maior honraria da Casa, a Medalha Boticário Ferreira. O personagem escolhido: Wesley Safadão. A iniciativa acabou não indo adiante. O cantor já havia tido seu nome aprovado para a homenagem em 2015, por iniciativa de Wellington Sabóia (então no PSC; hoje no Pros), que havia concorrido à eleição como "o vereador do Safadão".

O episódio é apenas um dos que envolvem a Medalha Boticário Ferreira, instituída em 1981 para, segundo a letra da lei, "galardoar o mérito cívico do cidadão que, em Fortaleza, se distinga pela notoriedade do seu saber, relevantes serviços à coletividade, dedicação à causa municipalista e exemplos de dedicação ao serviço público". O texto não estabelece como isso será aferido para a principal honraria da Casa.

Segundo levantamento feito no site da Câmara Municipal, desde 2016, foram apresentadas mais de 130 propostas para a concessão da Medalha. Dentre os homenageados, há empresários, intelectuais, magistrados, sindicalistas... E políticos.

Aliados

Um exemplo foi a homenagem aprovada pela Casa ao atual secretário nacional de Segurança Pública, general Guilherme Theophilo. Em 2018, ele concorreu ao Governo do Estado pelo PSDB. Em dezembro do ano anterior, com sua pré-candidatura ao Governo já anunciada, Pedro Matos (PSDB) - que ocupava vaga aberta em razão de licença de Plácido Filho - propôs o nome do militar para a Medalha.

A reportagem entrou em contato com Matos, filho do ex-deputado federal Raimundo Gomes de Matos (PSDB), mas não obteve resposta. Na justificativa do projeto, ele destaca a história do então pré-candidato ao Governo. "É de notório destaque o trabalho desenvolvido pelo General Guilherme Theophilo em prol da população fortalezense e de todos os brasileiros", conclui o texto.

Outro exemplo foi a homenagem aprovada em 2017 ao executivo Geraldo Luciano, de autoria de Plácido Filho. Hoje presidente do Novo no Ceará, à época ele era segundo vice-presidente estadual do PSDB. "Comecei a pesquisar e vi que é um cara de muito talento e valor. Não foi pela sigla partidária", diz Plácido.

De acordo com o presidente da Câmara, Antonio Henrique (PDT), há instrumentos suficientes para evitar um eventual desvirtuamento da Boticário Ferreira. "Essa homenagem é feita para as pessoas que realmente tenham uma história", diz. Para ele, não é pelo fato de um indivíduo concorrer a uma eleição que tal história deixa de existir.

Evaldo Lima (PCdoB), por sua vez, destaca a exigência de pelo menos 29 assinaturas para que o requerimento para a Medalha tramite na Casa. Segundo ele, há um "acordo de cavalheiros" para que não se vote contra a concessão da comenda. "Se você acha que tal personalidade não faz jus à honraria, não assine".

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