Governo escala time de ministros em contra-ataque no Congresso

A estratégia é a criação de um canal de interlocução entre o Governo e as casas legislativas. A movimentação ocorre um dia depois de a Câmara dos Deputados aprovar PEC orçamentária que engessa as contas públicas federais

Escrito por Wagner Mendes ,
Legenda: Paulo Guedes passou, ontem, por sabatina na CAE, no Senado Federal
Foto: Foto: Agência Senado

Um dia após a Câmara dos Deputados aprovar Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que obriga a União a executar o Orçamento em sua integralidade, o Governo reagiu ensaiando uma aproximação com o Legislativo. A aprovação da PEC é encarada pelo Governo como uma pressão dos parlamentares, apesar de o discurso ser o inverso.

Para sinalizar disposição ao Congresso após o ministro da Economia, Paulo Guedes, ter faltado à CCJ da Câmara na terça-feira, os ministros Ricardo Vélez, da Educação, Sergio Moro, da Justiça, Ernesto Araújo, das Relações Exteriores, e Luiz Henrique Mandetta, da Saúde, além do próprio Guedes, estiveram no Legislativo, ontem, para discutir ações das respectivas pastas com deputados e senadores.

Constrangimentos à parte, durante as audiências, representantes do Governo foram escalados com o objetivo de construir pontes com os parlamentares - o que ainda não aconteceu diretamente da parte do Planalto. Em declaração, ontem, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), foi ainda mais duro e afirmou que o presidente Jair Bolsonaro (PSL) está "brincando de presidir o País".

A matéria do Orçamento, como trata de alteração do texto constitucional, ainda será votada em dois turnos no Senado. O texto deve ir ao plenário na próxima semana.

O economista Ricardo Eleutério, da Universidade de Fortaleza, explica que, caso a proposta seja aprovada na Casa revisora, vai engessar ainda mais o Orçamento. A expectativa é que a medida crie despesas obrigatórias, ou seja, sem possibilidade de negociação.

"A aprovação engessa o Orçamento e pode gerar mais desequilíbrios fiscais. Sempre que tem mais desequilíbrio fiscal fica difícil reduzir a taxa de juros, pressão inflacionária, ambiente de maior incerteza, previsões passam a se deteriorar, como o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto)", avalia o economista, vice-presidente do Conselho Regional de Economia do Ceará.

O professor de Direito Público da Faculdades CERS, Matheus Carvalho, diz que a "queda de braço" entre a Presidência da República e o Congresso "tira do Executivo o controle das contas públicas e transfere parte desse controle ao Legislativo". Consequência disso, para Carvalho, é colocar em questão a separação de poderes, já que o Executivo vai cumprir, do ponto de vista orçamentário, o que o Legislativo decidir.

"Em princípio, pode ser considerada uma medida positiva (por executar políticas públicas). Por outro lado, ela acirra os ânimos nos três poderes, que hoje precisam ser acalmados para que a gente consiga estruturar a nossa economia", sintetiza o professor que também é procurador da Fazenda Nacional.

Articulação

Durante votação da PEC na Câmara, na última terça-feira (26), o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente da República, defendeu a medida e recomendou que a bancada do PSL votasse a favor da matéria. "É uma pauta que, quando Jair Bolsonaro era deputado federal, ele e eu fomos favoráveis, que vai trazer independência para esse plenário, independência para os colegas deputados".

Negando derrota, o deputado assegurou que a PEC "se trata de uma relação harmônica entre os poderes". A opinião não foi compartilhada pela líder do Governo no Congresso, a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP). Ela votou contra o texto aprovado por 453 votos em segundo turno. Ontem, o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, também afastou a tese de derrota.

Cientista política e professora da Universidade Federal do Ceará, Monalisa Soares adota tom de cautela sobre as consequências práticas da aprovação de uma matéria construída no próprio Parlamento e a relação do Governo com as casas legislativas.

"Eu tenho uma postura de observação. Não sei em que medida isso vai impactar em algo negativo para o Governo. Nas redes bolsonaristas, isso tem sido colocado como favorável porque (o Governo) não vai ter o que negociar. Os impactos negativos têm mais a ver com o conjunto da gestão e Orçamento do País", diz.

Para o cientista político Uribam Xavier, da Universidade Federal do Ceará, a aprovação do texto, que avalia como positivo, ocorreu pela fragilidade do Governo na relação com o Legislativo. O discurso de que não pratica a "velha política", de acordo com Xavier, tem dificultado as relações com os deputados e senadores.

"É ausência de um articulador. 'O meu governo não é o da velha política, não vai ter o toma lá dá cá', Mas já está tendo, a indicação dos partidos já é um toma lá dá cá, só que com critérios", analisa.

Previdência

Guedes esteve ontem na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado para responder questionamentos sobre a proposta de reforma da Previdência. Em justificativa pela ausência na Câmara, o ministro argumentou que o PSL, partido de Bolsonaro, não lhe daria as condições ideais para a sabatina que enfrentaria.

"Realmente é assustador, ontem eu tomei um susto. O aviso que eu tinha é: 'você foi convocado para ir num lugar onde não tem relator, todo mundo vai atirar pedra e seu partido vai atirar também porque estão contra a reforma'. Não entendi mais nada", disse o ministro da Economia.

Ainda segundo Guedes, o opositor do Governo no Congresso "é ele mesmo". "Então algo está falhando do nosso lado", disse. A expectativa é que o PSL e o DEM fechem questão a favor da reforma da Previdência mesmo com as possíveis alterações.

Emendas enfim executadas?

Em caso de o Senado aprovar a PEC do Orçamento, a relação Planalto e Congresso pode ganhar novos ingredientes e dar força às bancadas dos estados. A tradicional negociação de voto por liberação de verbas poderá dar espaço a novos acordos. Há expectativa, ainda, que as emendas serão de fato executadas. 

O Diário do Nordeste trouxe, no dia 5 de fevereiro, levantamento das emendas dos cearenses que não foram executadas pela União. Na maior parte delas, recursos para financiar a saúde no Interior. 

Nos últimos dois anos, nenhuma emenda lançada pela bancada cearense havia atingido a execução total do que foi solicitado pelos deputados. Na maioria delas não havia sequer o empenho do recurso que deveria ser liquidado pelo Governo em 2017 e 2018.

Até o mês passado, a situação de emendas não executadas pela União somava R$ 626 milhões, quando enumeradas solicitações que nenhum valor havia sido repassado.

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