Governadores do Nordeste firmam parcerias independentes do Governo Federal

Criação de consórcio e posições sobre temas como Previdência e Estatuto do Desarmamento unem Estados da região

Escrito por Wagner Mendes ,
Legenda: O último encontro ocorreu no Fórum dos governadores em Brasília
Foto: Foto: José Cruz/Agência Brasil

No dia 14 de março deste ano, governadores do Nordeste, reunidos em São Luís, no Maranhão, assinaram a criação de um consórcio entre os estados. A intenção da plataforma é fortalecer parcerias administrativas e políticas que podem oferecer um novo rumo aos interesses dos nove estados da região. A medida foi copiada pelos estados do Sul e Sudeste, em encontro no dia 17 em Belo Horizonte.

Levantamento da última década feito pelo Diário do Nordeste mostra que a prática de encontros entre governadores nordestinos para debater pautas estratégicas não é nova. Foi assim durante os governos dos ex-presidentes Lula, Dilma Rousseff e Michel Temer. A novidade, no entanto, é a intensidade dessas reuniões e os posicionamentos políticos contundentes deliberados.

O último encontro alimentou comentários de internautas nas redes sociais sobre a possibilidade de um "autogoverno" dos nordestinos, menos dependente do Governo Federal, chefiado pelo adversário político Jair Bolsonaro, do PSL. Há o receio, ainda, de uma possível articulação política dos gestores para derrubar pautas federais no Congresso.

No Maranhão, governadores se colocaram de forma contrária à proposta da reforma da Previdência e das mudanças no Estatuto do Desarmamento. Ambas matérias patrocinadas pelo Palácio do Planalto na Câmara e no Senado. O posicionamento foi reafirmado no Fórum dos Governadores no dia 26 de março, em Brasília.

Desde o início do governo do ex-presidente Michel Temer (MDB), nordestinos têm se organizado com maior regularidade para cobrar demandas para a região em conjunto, tendo em vista a condição de afastamento ideológico entre a maioria dos governadores e o ex-presidente do MDB. A cobrança em conjunto ganharia maior atenção do Palácio do Planalto para pautas como a Transposição do Rio São Francisco.

Constituição

Para juristas consultados pela reportagem, a pactuação política e econômica entre os estados está dentro dos preceitos constitucionais brasileiros. Os artigos 23 e 24 da Constituição garantem esse tipo de movimento formal, conforme pontua o professor Felipe Braga, da Universidade Federal do Ceará.

"Isso não é novidade. As universidades federais estão fazendo isso, se juntam para fazer uma compra, e em conjunto sai mais barato. Os estados podem comprar medicamentos, veículos... Isso não quer dizer que os estados estão passando por cima do Governo Federal", explica.

Para o professor, o movimento dos estados é uma antecipação para "minorar retaliações que possam acontecer" da parte da presidência da República, em razão das divergências ideológicas, mas que o modelo federalista não é quebrado pelas articulações paralelas.

O doutor em direito da Universidade de Fortaleza, Filomeno de Moraes, argumenta que o comportamento dos governadores busca "a racionalidade administrativa e entrosamento político". O pesquisador esclarece que a Constituição tem em um dos seus primeiros artigos "o reforço à necessidade do recurso da teia federativa e a necessidade de cooperação entre os entes". Para os dois professores, o movimento de parceria estadual demorou a se concretizar.

Legislativo

É louvável a posição dos governadores, de juntar as forças dos mais humildes, de mostrar que mesmo com as fragilidades existe compreensão e unidade para tomar decisões comuns, diz o deputado federal Assis Carvalho (PT-PI) sobre os encontros entre gestores em forma de articulação.

"O consórcio traz benefícios para a saúde, vai colaborar em licitações em grande escala. Eu só quero louvar e parabenizar essa iniciativa que os estados vêm consolidando e dando bons exemplos para a região do Brasil", argumenta o petista.

Carvalho discorda, no entanto, que o momento dos governadores tenha um cunho necessariamente ideológico, de distanciamento do governo federal. Para o nordestino, a região tem mostrando que o interesse popular é maior do que posições ideológicas. "O Brasil é de todos, os governadores unidos passam a ter mais capilaridade e condições de sentar na mesa de negociações", explica.

O que for de união para reivindicar recursos para a região ou criar ambiente que gere ações positivas para o povo é valido, defende o deputado Daniel Coelho (Cidadania-PE). O pernambucano ressalta que nutre preocupação sobre a possibilidade de articulação dos governadores contra a reforma da Previdência. Isso, segundo ele, afastaria ainda mais o Planalto da região, intensificando a crise política com o bloco.

"O Nordeste está com as contas públicas em calamidade, e os hospitais são uma vergonha. Os governadores foram eleitos com discursos falsos contra a reforma. É preocupante a unidade para o populismo", critica o parlamentar, que é oposição ao governador pernambucano, Paulo Câmara (PSB).

Coelho argumenta que é o futuro do povo que está em jogo, e que os governadores sabem que a reforma é necessária, mas que "preferem jogar para a plateia porque estão mais preocupados com a eleição municipal do que com o futuro do povo".

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