Gasto milionário com substitutos de defensores é incógnita no Ceará

Segundo dados do Diário da Justiça, o Estado desembolsou pelo menos R$ 2,3 milhões com os chamados advogados dativos no ano passado. O valor, porém, pode ser ainda maior, já que falta mais transparência em relação aos custos

Escrito por Wagner Mendes ,
Legenda: Com déficit de defensores públicos no Estado, a atuação de advogados dativos é comum
Foto: Foto: JL Rosa

Em apenas um mês, um advogado recebeu dos cofres públicos do Ceará a quantia de R$ 94.232,20. O valor corresponde à atuação do profissional como "advogado dativo" em vários atos nas comarcas do interior no ano passado. A função é prevista em lei: a advocacia dativa é a prática da nomeação de advogados comuns por parte de juízes para atuar como defensor público em atos específicos. Falta, porém, transparência - nem o Executivo nem o Judiciário sabem quanto os dativos custam ao Estado atualmente.

Na prática, o acusado de um crime que não tem condições de pagar um advogado, por exemplo, pode ser defendido por um dativo pago pelo Estado. De acordo com a Ordem dos Advogados do Brasil no Ceará (OAB-CE), os honorários são os mesmos normatizados para qualquer outro profissional do Direito que atua na esfera pública ou privada.

Apenas no ano passado, o Estado desembolsou cerca de R$ 2,3 milhões para esses profissionais. Os dados, que constam no Diário da Justiça, revelam que a cifra pode ser ainda maior se levados em consideração todos os atos que não são publicados em registros oficiais do Governo, como são os casos de audiências públicas. Os valores totais, entretanto, não são revelados por quem executa os gastos.

A reportagem procurou o Governo do Estado, por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), para questionar os valores reais investidos na modalidade. Durante um mês e meio, a Procuradoria-Geral do Estado, a Casa Civil e a Secretaria da Fazenda (Sefaz) foram provocadas através da plataforma. As duas primeiras alegaram que a responsabilidade das informações era do Poder Judiciário. A Sefaz, por sua vez, nem sequer chegou a responder à demanda.

O Tribunal de Justiça também foi procurado. Em resposta, alegou que os gastos são equacionados pelo Estado, portanto, era o responsável por prestar os esclarecimentos. No dia 21 de março, o deputado estadual Renato Roseno (PSOL) conseguiu aprovar na Assembleia Legislativa requerimento à PGE solicitando o real gasto do Estado com os advogados dativos.

Em entrevista, Roseno argumentou que "o Estado tem 148 cargos vagos de defensor público" e que, "na outra ponta, está pagando advogados nomeados por ordem judicial da magistratura". O parlamentar justifica o requerimento alegando ser "fundamental que a sociedade saiba quanto está se gastando".

Resposta

Líder do Governo na Assembleia, o deputado estadual Julio César Filho (PPS) diz que o Estado "entende que a responsabilidade dos pagamentos dos advogados dativos é da Defensoria Pública, que tem autonomia administrativo-financeira". Os pagamentos feitos pelo Estado, segundo ele, são resultados de cumprimento de ações judiciais. O parlamentar prometeu que o requerimento do deputado opositor será respondido.

A prática da advocacia dativa expõe, ainda, a chaga do déficit de defensores públicos e a falta de controle do Estado para a nomeação de advogados substitutos. Embora a modalidade esteja prevista na Constituição, a "rotina" nas comarcas do interior aponta para gasto sem controle do dinheiro público.

O Diário do Nordeste teve acesso a pagamentos pontuais a profissionais que atuam como dativos. Há verdadeiras batalhas judiciais no Tribunal de Justiça entre profissional que atuou como dativo e o Estado, que, em muitas ocasiões, se recusa a efetuar os pagamentos. Em um dos casos, um advogado exige que o Palácio da Abolição pague o valor de R$ 4.200,00, correspondente a duas audiências públicas acompanhadas por ele.

Déficit

No Ceará, há 148 postos vagos de defensores públicos, enquanto 100 aprovados no último concurso, de 2015, aguardam nomeação. A juíza Larissa Braga, que atua na 2ª Vara Criminal da Comarca de Juazeiro do Norte, admitiu à reportagem que, apesar de haver profissionais concursados nas grandes cidades, a nomeação de dativos é rotina. A prática se repete quando o defensor está impossibilitado de acompanhar o cidadão por motivos, como licença, férias ou acúmulo de trabalho.

"Você marca a audiência e o defensor não pode naquele dia, e você fica no corredor do Fórum procurando um advogado (para atuar como dativo). Na Defensoria, não tem substituto, e, quando tem, ele tem as responsabilidades na titularidade", diz a magistrada ao argumentar que o trabalho fica prejudicado.

De acordo com a juíza, que também é diretora de Patrimônio e Finanças da Associação Cearense dos Magistrados, a ausência de defensores públicos prejudica o andamento do processo. "É um problema muito sério", reforça.

Municípios com defensores no Ceará:

Fortaleza 

Acaraú 

Acopiara 

Aracati 

Aquiraz 

Barbalha 

Baturité 

Beberibe 

Camocim 

Canindé 

Cascavel 

Caucaia 

Crato 

Eusébio 

Horizonte 

Iguatu 

Ipú 

Itaitinga 

Icapuí 

Itapipoca 

Juazeiro do Norte 

Lavras da Mangabeira 

Limoeiro do Norte 

Maracanaú 

Maranguape 

Morada Nova 

Pacajus 

Pacatuba 

Quixadá 

Quixeramobim 

Russas 

Sobral 

Tauá 

Tianguá 

Ubajara 

Tabuleiro do Norte 

Quixelô 

Redenção 

Aurora 

Farias Brito 

Várzea Alegre 

Amontada 

Cruz 

Croatá 

Groaíras 

O que diz a Constituição 

Emenda Constitucional n° 80 de 4 de junho de 2014 

Art. 98. O número de defensores públicos na unidade jurisdicional será proporcional à efetiva demanda pelo serviço da Defensoria Pública e à respectiva população. 

§ 1º No prazo de oito anos, a União, os Estados e o Distrito Federal deverão contar com defensores públicos em todas as unidades jurisdicionais. 

§ 2º Durante o decurso do prazo previsto no § 1º deste artigo, a lotação dos defensores públicos ocorrerá, prioritariamente, atendendo as regiões com maiores índices de exclusão social e adensamento populacional. 

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