Especialistas discutem regras e limites da nova lei de abuso de autoridade

Ainda nem entrou em vigor e a Lei de Abuso de Autoridade já está sendo citada em decisões judiciais

Escrito por Jéssica Welma ,
Legenda: Lei de Abuso de Autoridade deve ser provocada no STF
Foto: Foto: Rosinei Coutinho/STF

A dois meses de entrar em vigor, a Lei de Abuso de Autoridade já começou a embasar decisões judiciais e tem criado um cenário de indefinições na atuação de magistrados, procuradores e promotores. Sancionada em setembro, a lei estabelece punições a condutas impróprias de agentes públicos e tem dividido opiniões sobre o impacto nos processos de cumprimento da lei. 

Na última semana, os novos regramentos foram citados em decisões, pelo menos, nos estados de Goiás, Pernambuco, Distrito Federal e Bahia. “É uma precipitação na medida em que a lei sequer está apta a produzir efeito. Uma vez entrando em vigor, não poderá atingir fatos passados. Pode ser uma atitude vista como manifestação política. É compreensível, mas não acho adequado”, afirma o juiz Mauro Feitosa, conselheiro da Associação Cearense de Magistrados (ACM). 

Em Garanhuns (PE), a juíza Pollyanna Maria Barbosa Pirauá mandou soltar 12 suspeitos de tráfico de drogas. Em sua decisão, ela citou o artigo 9 da lei sobre abuso de autoridade que diz ser crime deixar de substituir a prisão preventiva por medida cautelar ou de conceder liberdade provisória, “quando manifestamente cabível”.

“Ocorre que a expressão ‘manifestamente’ é tipo aberto, considerando a plêiade de decisões nos mais diversos tribunais brasileiros (...). Diante disso, enquanto não sedimentado pelo STF qual o rol taxativo de hipóteses em que a prisão é manifestamente devida, a regra será a soltura, ainda que a vítima e a sociedade estejam em risco”, diz a juíza. 

A lei, no entanto, ressalta que, para configurar abuso de autoridade, o ato tem de ser praticado com o objetivo de prejudicar alguém, beneficiar a si ou a terceiro ou ser motivado por satisfação pessoal ou capricho.

Por outro lado, em ação direta de inconstitucionalidade (ADI) impetrada em 29 de setembro no Supremo Tribunal Federal, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) afirma que já existem advogados ameaçando magistrados com base na nova lei.

“A lei está sob vacância, só produz efeito a partir de 2020, há tempo o bastante para que o Supremo possa avaliar a ação direta de inconstitucionalidade proposta pela AMB”, pontua Feitosa.

Repercussões

O cenário que tem sido desenhado por magistrados e promotores para o exercício de suas funções sob a égide das novas regras tem sido entendido de formas diferentes por apoiadores e críticos da lei de abuso de autoridade. 

“O Brasil precisa de uma lei que coíba abuso. É odioso uma autoridade abusar do poder com fins mesquinhos. O receio é de que a lei venha incutir na cabeça da autoridade um medo no exercício da atividade. Nós lutamos muito desde que essa lei estava sendo gestada, desde o Senado. Entendemos que não era o momento de discuti-la porque estava surgindo como vingança a trabalhos que o Ministério Público vinha fazendo”, afirma o procurador-geral de Justiça do Ceará, Plácido Rios. 

Para o vice-presidente da Associação Cearense do Ministério Público (ACMP), Diassis Leitão, a aprovação da lei foi uma reação de integrantes de setores dos poderes político e econômico que, nos últimos anos, tiveram contra si inúmeras investigações e prisões. Ele ressalta que os tipos penais abertos, que dão margem a interpretações, são os pontos mais graves. 

“Não se pode criminalizar certas condutas que são decorrentes do exercício das suas funções. O MP, por exemplo, recebe denúncias anônimas a partir das quais se dá início às investigações. Pelo conteúdo da lei, o MP ficará impossibilitado de dar continuidade a essas investigações sem documentos”, afirma Diassis. 

Apoiadores da lei, por outro lado, discordam dos riscos apontados. “Quem tem medo da lei de abuso de autoridade? O que diz a lei é parte do que se espera do Poder Judiciário. Todo magistrado que tem apego à ordem não está preocupado com a lei de abuso. Nossa legislação é eivada de tipos penais abertos. Se as associações querem levantar bandeiras contra eles que seja para extinguir todos. Caso contrário, estamos falando de uma seletividade”, afirma a jurista e pós doutora em teoria jurídica, Soraia da Rosa Mendes. 

Cautela

O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil do Ceará (OAB-CE), Erinaldo Dantas, destaca que a lei é importante para garantir que detentores do poder tenham mais cautela com advogados e famílias. “Há uma cultura de autoritarismo. Essa lei é importante para que as autoridades comecem a se policiar. Se elas começarem a entender que não estão blindadas e que respondem como qualquer outro cidadão, vamos garantir a igualdade”, diz Dantas. 

A procuradora do Ministério Público Federal do Ceará, Marina Romero, ressalta que a categoria tem se mobilizado para impetrar novas ações no STF e realizar manifestações públicas sobre os impactos. 

“A partir do Mensalão, tivemos uma mudança de paradigma em que pessoas poderosas passaram a responder por seus atos. O que pode acontecer, a partir de agora é retrocesso”, pontua Marina. 

Soraia ressalta que o importante é que haja discussão “amadurecida” a respeito daqueles que são os limites da atuação de todos os poderes e o respeito às garantias.
“A sociedade não pode pagar esse preço, temos responsabilidades muito acima dos nossos entendimentos pessoais, das nossas concepções”, ressalta Plácido Rios.
No próximo dia 9, novas ações devem ser protocoladas no STF contra a lei de abuso de autoridade.

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