Eleição para Conselho Tutelar no Ceará gera reclamação e filas

O processo eleitoral, organizado pelo Conselho Municipal de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente — com o apoio do Tribunal Regional Eleitoral —, gerou insatisfação de eleitores e candidatos

Escrito por Flávio Rovere ,
Legenda: Houve desinformação e muita fila nas seções de votação
Foto: Foto: Helene Santos

Há quatro anos, 7,2% do eleitorado da capital cearense foi às urnas escolher os representantes dos conselhos tutelares de Fortaleza. Para a eleição de ontem, o Conselho Municipal de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente de Fortaleza (Comdica), responsável pela organização do pleito, se preparou, assessorado pelo Tribunal Regional Eeleitoral do Ceará (TRE-CE), para um contingente de 10%.

O comparecimento, porém, superou a expectativa, segundo o Comdica. Se, por um lado, a maior presença da população mostra engajamento com a causa e amplia o debate sobre direitos da criança e do adolescente, por outro traz desgastes ao processo. 

Uma das candidatas, Erivalda Celedônio, lamentou o fato de ter perdido vários votos (cerca de 50, ela estimou) porque moradores do bairro dela, Aerolândia, tiveram problemas ao chegar na Escola Maria de Lourdes Ribeiro Jereissati, no Jardim das Oliveiras. 

“A gente está vendo muitas irregularidades. Uma delas é a seção 112, que era pra ser aqui, mas não existe aqui. Os eleitores vêm com boa vontade votar na gente, por consideração, por respeito, carinho da comunidade. A comunidade chega aqui e não pode votar porque não existe a seção onde eles vão votar. Eu posso até perder, mas com dignidade. Não dessa forma. O Comdica precisa tomar uma providência”, reclamou.

A educadora física Fernanda Silva, de 34 anos, foi uma das eleitoras que não conseguiu votar. “Aqui dentro do colégio tem uma equipe disponível para dar informações, mas, mesmo com esses profissionais aqui, ninguém conseguia resposta”, afirmou a eleitora que não conseguiu localizar a zona eleitoral correta. Segundo ela, outras pessoas foram impedidas de votar porque não tinham o nome incluso no caderno de registros, de responsabilidade do TRE-CE. “A gente liga pro 148 e está sempre congestionado”, diz.

A aposentada Maria Celeste Lemos, de 81 anos, foi ao local de votação duas vezes, de manhã e depois à tarde. Foi embora sem votar e sem saber o local de votação. “A gente vai e volta, e não encontra orientação de maneira alguma. Ninguém para dar informação. É só dar viagem perdida”, lamentou.

Dentro da escola, além das grandes filas, chamava atenção a indignação de outro candidato, Jair Freitas. Ele se dizia “estarrecido” com alguns fatos que teria presenciado. “A gente se prepara desde abril no processo eleitoral, e candidatos vêm para a porta do colégio com seus cabos eleitorais, comprar voto por 20, 30 reais. Um absurdo. E a gente tentando angariar votos com o verdadeiro teor do que representa o Conselho Tutelar. Essas pessoas não merecem de forma alguma exercer o cargo de conselheiro. Se já começa em uma eleição desonesta, como é que pode representar um filho ou um adolescente?”, questiona. 

Presidente do Comdica, Angélica Leal reconhece que a estrutura de apoio dada ao pleito ficou aquém da necessária. “O TRE dá assessoramento técnico, e, nesse caso, ele orientou que nós colocássemos cinco mil eleitores por local. Nós aglutinamos 393 seções em 55 locais. A gente está falando de um universo de 1,7 milhão de eleitores, que é o eleitorado de Fortaleza. Essa orientação tem a premissa de que normalmente cerca de 10% do eleitorado comparece. O que nós estamos verificando, na prática, é que está tendo uma procura bem maior que esses 10%”.

Apesar das reclamações, o comparecimento acima da média é, para ela, um bom sinal. “O balanço para o Comdica é extremamente positivo, porque esse número elevado de eleitores que estão indo votar significa que as pessoas estão engajadas, estão interessadas em ter essa participação popular, de escolher o seu conselheiro, para que efetivamente ele possa representar aquela comunidade, aquela população de um determinado local. Em relação ao número de casos, de pessoas que não encontraram seus locais é porque como o TRE está fazendo a biometria, e também foram criadas quatro novas zonas eleitorais, com isso houve remanejamento sim de eleitores, e isso foge à nossa competência”, explica.

Já o TRE-CE informou que o cadastro para a eleição de ontem foi encerrado em 6 de agosto, e que, quem efetuou a biometria depois desse mês, teria que votar na eleição para conselheiro na antiga zona e seção.

Conselho Tutelar

Regido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o Conselho Tutelar é um órgão colegiado, pertencente à esfera da administração pública municipal, mas autônomo, pelo qual a sociedade pode intervir para garantir direitos a crianças e adolescentes em todo o território nacional. 

Entre as atribuições: requisitar serviços públicos, fazer representações junto ao Ministério Público e à autoridade judiciária na observância de direitos dos menores de idade, assessorar o Poder Executivo local na elaboração da proposta orçamentária para a implementação de políticas para esse público etc.

Professora aposentada, Nazaré da Costa, de 61 anos, nunca deixa de exercer o voto, que, apesar de opcional, é, para ela, uma obrigação cívica. “As crianças e os jovens estão aí precisando muito do apoio de toda a nação, de todos nós, como pais de família, mães de família, avó, como eu sou, espero que hoje seja um dia muito importante pra essas crianças”, diz.

Como se deu o processo

As atribuições do Conselho Tutelar estão previstas no artigo 136 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que prevê a criação de pelo menos um conselho em cada um dos municípios brasileiros. Fortaleza atualmente tem oito conselhos em funcionamento, com a previsão de criação de mais dois em 2020.
As eleições deste domingo, porém, são unicamente para os já existentes. O pleito definiu o preenchimento de 80 vagas: 40 para membros titulares (cinco em cada conselho) e 40 para suplentes. 

O processo teve início em abril, com o lançamento do edital. A candidatura era permitida a pessoas com idade superior a 20 anos, Ensino Médio completo, que trabalharam por pelo menos dois anos na área de infância e que fossem eleitores e residentes do município de Fortaleza há pelo menos um ano. 

De um total de 533 inscritos, 446 passaram pela análise documental e 186 foram oficializados candidatos após prova escrita. O TRE-CE deu suporte ao pleito, por meio de treinamentos e também com o empréstimo de equipamentos. Junto com Sergipe e Tocantins, o Ceará realizou o pleito com 100% de urnas eletrônicas. Cerca de 2.500 pessoas estiveram envolvidas na eleição da Capital, que também foi acompanhada pelo Ministério Público Estadual. 

Ex-conselheiro, Stênio Braga reconhece as dificuldades da função , mas vê avanços na área. “Às vezes falta apoio, transporte, material pro conselheiro trabalhar. Mas é muito importante quando a população se envolve em uma eleição como essa, reconhecendo a necessidade do trabalho do conselheiro junto à problemática da criança e do adolescente”, diz.

Resultado das urnas

Para confirmar o resultado da eleição é necessário acessar o site da organização do pleito: www.comdica.fortaleza.ce.gov.br

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