Eleição deixa marcas de extremismos e mobilizações

O processo em curso há 72 dias no Brasil é um dos mais complexos desde a redemocratização. A campanha afetou comportamentos e teve como resposta a valorização da capacidade de mobilização dos eleitores

Escrito por Thatiany Nascimento ,

Há 72 dias o Brasil está em campanha eleitoral. Um processo que, para muitos, pareceu quase interminável. Este é o pleito mais difícil desde a redemocratização do Brasil. De tão diferente provocou intensas mudanças em trajetórias. Se o acirramento da polarização política ganhou corpo, bem como os discursos extremos e onda de violência, as respostas vieram de diversas formas. Dos debates em famílias a abertura aos diálogos com desconhecidos em praças públicas. Marcas de um complexo processo que não chega ao fim hoje. Pelo contrário. As heranças da eleição 2018 têm relação direta com o comportamento do eleitorado e evidenciam, sobretudo, a necessidade de participação popular na política e o aumento da capacidade de mobilização dos eleitores.

O processo gerou efeitos que vão além das opções tidas como específicas do campo político. São desdobramentos sociais, afetivos, emocionais. No contexto em que a qualidade da democracia entrou vigorosamente em xeque, a desinformação ampliou-se e o radicalismo, muitas vezes, predominou, manifestações de diversas ordens sinalizaram que esta eleição ficará marcada justamente pela capacidade de provocar impactos em cenários futuros.

Para a fotógrafa Marília (nome fictício, pois a entrevistada preferiu não ser identificada), moradora da Barra do Ceará, independentemente do resultado da eleição, o contexto familiar já está transformado. Discordâncias políticas sobretudo entre ela e os pais, a fizeram inclusive "passar alguns dias fora de casa" durante a campanha. Evangélica, Marília relatou que as discussões políticas acentuaram-se tanto que ela chegou a ficar desequilibrada emocionalmente. O discurso religioso, relata ela, foi preponderante e as redes sociais "inflamaram mais ainda as questões".

"Minha mãe e minha tia já tinham discutido no grupo da família. E eu tentava não me meter. Mas tentei passar informações confiáveis. Matérias confiáveis. Só que minha mãe veio me criticar. Com discurso de intolerância. Foi tenso. Passei a semana inteira sem falar com ela. Depois voltamos a falar, mas sem tratar de política", conta a fotógrafa. O acordo para manter a harmonia familiar foi minimizar os assuntos políticos.

Envolvimento

Foi também o apelo familiar que fez a costureira Marciley Maia, aos 50 anos, se "envolver intensamente na campanha". Mãe de dois filhos de opções políticas distintas, Marciley conta que viu as divergências familiares e os discursos dos candidatos se tornarem um apelo para que ela, embora inexperiente, passasse a "fazer campanha" também. "Sou costureira e vendo vestidos na feira. Lá eu fico tentando mudar 'a cabeça das pessoas'".

Apesar de garantir que não compreende o funcionamento da política institucional, Marciley revela que entende os apelos de viver em um mundo onde o preconceito não seja alimentado. "Essa campanha foi muito diferente. Eu tenho um filho gay e percebi que tinha que entrar nesse momento", conta. Para votar terá que viajar para Guaiúba, mas a distância, sabe ela, é a menor barreira em um contexto tão difícil.

As redes sociais foram componentes estratégicos nesse pleito. Para a psicóloga Amanda Martins, idealizadora de coreografias que viralizaram na internet, este é um dos campos que ajudou "o povo a acordar", segundo ela, "contribuindo para a divulgação verdadeira dos fatos de ambos os lados". Um dos legados da eleição, diz Amanda, é que pode-se dizer que "o povo brasileiro sabe que são os verdadeiros donos da nação".

Outra marca são ações em prol da abertura do diálogo em tempos de sinais de intolerância tão evidentes. Sentar em uma praça pública e se dispor a dialogar com desconhecidos sobre propostas e planos de governo foi ação realizada pelo Coletivo Avesso. Formado por quatro bordadeiras, Flávia Rodrigues, Wilma Farias, Laura Moreira e Jamille Queiroz, a ação do grupo partiu da necessidade de "fazer alguma coisa diante de ameaças à democracia".

Nas praças do Ferreira e de Alencar, as quatro artesãs bordaram e convidaram transeuntes para conversar. "Muitos curiosos se aproximaram. Nós não tínhamos o objetivo de virar voto. Mas de criar diálogos políticos com pessoas diferentes", explica. Na ação, o Coletivo recebeu diversas respostas. Pessoas curiosas que não se aproximavam, pessoas que chegavam gritando as próprias opções políticas, outras que paravam, perguntavam. Processos, que para Flávia, evidenciam demandas do presente e do futuro: é preciso informar com profundidade.

A psicóloga Layza Castelo Branco alerta que esse cenário eleitora/social descortinou conflitos que poderiam estar velados. A profissional aposta que é possível sair desse processo com maior equilíbrio. "Tudo o que está acontecendo tem trazido muito mal estar, mas talvez seja necessário para nos levar para um ambiente socialmente saudável".

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