Discussão sobre novos modelos de candidaturas ganha força no Ceará

A crise de representatividade enfrentada por partidos tem provocado um crescimento na busca por alternativas à chamada "política tradicional", apesar de ainda não terem previsão pela legislação eleitoral brasileira

Escrito por Luana Barros , luana.barros@svm.com.br
Legenda: As candidaturas coletivas se apresentaram pela primeira vez nas eleições de 2018 e, apesar de não terem uma regulamentação própria, também não são proibidas pela lei

Partidos dos mais diferentes espectros políticos têm sido demandados devido a um sentimento de ausência de representatividade, principalmente nos espaços de política institucional, como o Parlamento. A reação a isso tem sido a constituição de novos modelos políticos, que se apresentam como uma alternativa para a renovação do sistema. E, nas eleições municipais do próximo ano, devem ganhar ainda mais força.

Estas movimentações têm chegado também ao Ceará, onde nas eleições de 2018, três candidatos tentaram se tornar elegíveis, apesar de não terem filiação partidária, requisito obrigatório para uma candidatura, segundo a legislação eleitoral. Por outro lado, outras formas de organização, como as candidaturas coletivas começam a ser pensadas como alternativa para a disputa por uma cadeira na Câmara Municipal de Fortaleza.

Pluralidade

As candidaturas coletivas se apresentaram pela primeira vez nas eleições de 2018 e, apesar de não terem uma regulamentação própria, também não são proibidas pela lei. A única exigência é a de que um dos integrantes se apresente como "cabeça de chapa", sendo visto pela Justiça Eleitoral como 'candidato oficial', apesar da construção coletiva.

"É como se fosse um hackeamento do sistema político para a gente existir. Porque, se formos tentar pelo sistema normal, vamos acabar sendo excluídos", explica Robeyoncé Lima. Ela é uma das codeputadas do Mandato Juntas, uma das candidaturas coletivas eleitas em 2018. Com pouco mais de 39 mil votos no último pleito, as cinco codeputadas (como preferem ser chamadas) conquistaram uma cadeira na Assembleia Legislativa de Pernambuco.

"O objetivo foi evitar que os votos se dissolvessem se nos candidatássemos individualmente. Então, decidimos nos juntar para ficar mais fortes", explica. Hoje, as cinco codeputadas tomam as decisões coletivamente, apesar de apenas uma poder votar e discursar em plenário, por exemplo.

"É muito nesse sentido de construção coletiva. O próprio formato vem disso, que traz essa ideia de mandato como ponte para que cada vez mais as pessoas participem do sistema político", afirma.

Codeputada da Bancada Ativista, eleita em 2018 para a Assembleia Legislativa de São Paulo, Mônica Seixas concorda. "Deveria ser comum a política ser de mais pessoas. O sistema representativo precisa de outras formas de fazer a democracia, de tomar decisões, de fazer a política", afirma.

O mandato da Bancada Ativista é formado por nove homens e mulheres, cada um militante de uma causa diferente. Para ela, os mandatos coletivos devem ser construídos dessa maneira para as eleições de 2020. "Eu não acho que só juntar um monte de gente é uma candidatura coletiva por si só. A nossa tinha um motivo de ser, que era colocar todas as pautas na Assembleia", explica.

Apesar da ressalva, ela acredita que haverá uma "explosão de candidaturas coletivas" em 2020. "Porque nós estamos incidindo na política e a gente imagina que cada vez mais esse sistema vai se multiplicar", completa Lima.

Em discussão

Ao contrário da candidatura coletiva, a avulsa é proibida pela legislação eleitoral. Apesar disso, a tese de poder se candidatar sem nenhuma filiação partidária tem ganhado força e começou a ser discutida, inclusive, no Supremo Tribunal Federal (STF).

O advogado e professor de Direito na Faculdade Mackenzie no Rio de Janeiro, Rodrigo Mezzomo, é uma das partes na ação que tramita na Corte desde 2017. Ele tentou se candidatar à Prefeitura do Rio de Janeiro em 2016 sem filiação partidária, mas a candidatura foi indeferida pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O recurso está sob relatoria do ministro Luís Roberto Barroso.

"A candidatura independente é um desejo popular, quem não quer são os velhos cacifes da política, porque eles querem continuar tendo todas as vantagens que vem deste maldito monopólio", afirma.

Ele considera que a candidatura independente irá contribuir com todo o sistema político, inclusive com os partidos. "Quando quebramos o monopólio (das legendas partidárias), há um incremento de competição e, por isso, obrigamos o partido a melhorar. Teremos, então, partidos que inspirem as pessoas a ingressar e não partidos que detenham o ingresso obrigatório", argumento o advogado.

No dia 9 de dezembro será realizada a primeira audiência pública no STF para discutir o tema. Apenas depois, o caso deve ser analisado pela Corte. Qualquer que seja a decisão, ela deve ter repercussão geral e ser aplicada em casos de candidaturas sem filiação partidárias nas eleições seguintes.

Caminhos opostos na procura pela representatividade

O início das mudanças de pensamento quanto ao fazer política remonta às manifestações de junho de 2013. O protesto começou como uma reivindicação contra o aumento da passagem de ônibus em São Paulo, mas logo serviu como deságue para a insatisfação da população com a política institucional e partidária. E também uma demanda cada vez maior por uma renovação, explicam especialistas. 

“É um sentimento coletivo de decepção com essa política partidária, que ou estão ligados a grandes escândalos de corrupção ou são esquerda demais ou são direita demais”, aponta a cientista política e integrante do Laboratório de Estudos de Política, Eleições e Mídia da UFC, Paula Vieira. 

Os mandatos coletivos e a discussão quanto à candidatura avulsa são duas consequências dessa necessidade de renovação. “É uma reação à institucio- nalidade. Mas é um movimento que vai em dois sentidos distintos”, afirma. 

A tese de candidatura avulsa, apesar de não ser permitida pela legislação eleitoral, ganha um número cada vez maior de apoiadores por meio de um discurso do “outsider” da política, explica ela. 

“É uma candidatura que tem uma característica antipartidária. Essa candidatura busca enfra- quecer os grandes partidos, indo de encontro a eles”, afirma. “É uma forma de dizer que a existência da política partidária é que não é favorável. Seria essa a renovação: poder ser uma liderança fora”, completa.

Advogada especialista em Direito Eleitoral, Isabel Mota concorda. “É uma visão mais liberal e mais individualista (da renovação política)”, considera. 

“Indo na oposição a isso, as candidaturas coletivas não deixam de ter pautas identitárias ou mais específicas. Mas não é individualizada, representa ainda um coletivo”, argumenta Paula Vieira. 

Ao contrário das avulsas, as candidaturas coletivas não são proibidas pela legislação, embora também não exista nenhum tipo de regulamentação específica para elas.

ntegrante da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político, Mota considera que ainda não é momento de reconhecer, na legislação, esses formatos de candidatura. “Elas são experiências que precisam ser melhor elaboradas, quanto ao funcionamento do mandato coletivo, por exemplo”, explica. Ela ressalta que, como não são proibidas, há tempo para avaliar como os mandatos coletivos se organizar e, caso necessário, elaborar essa legislação. “Porque elas só não são reconhecidas. Para que venha a reconhecer essa candidatura, basta que a legislação formate essa categoria de registro para concorrer”, considera. 

No caso das postulações sem filiação partidária, uma regulamentação seria mais complicada, aponta Mota. 

Isso porque não é suficiente apenas a alteração na Constituição Federal. “Seria necessário modificar todo o sistema político, que deveria ser reorganizado para permitir essa possibilidade. É uma alteração que a gente precisa estudar melhor se a nossa sociedade precisa realmente disso”, conclui Isabel Mota. 

Congresso

Tanto a candidatura coletiva como a independente estão em discussão no Congresso Nacional. No caso dos mandatos coletivos, apesar de não serem proibidos, tramita uma Proposta de Emenda à Constituição de autoria da deputada federal Renata Abreu, do Podemos de São Paulo.

Avulsa

A candidatura avulsa é objeto de, pelo menos cinco Propostas de Emenda à Constituição, quatro na Câmara Federal e uma no Senado. A maioria delas propõe que sejam permitidas as candidaturas sem filiação partidária, caso obtenham assinaturas suficientes apoiando a chapa.

TSE

A reportagem entrou em contato com o TSE, mas o Tribunal afirmou, por meio de nota, que “não se pronuncia sobre questões que podem vir a ser objeto de análise pelo Tribunal”.

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