Combate ao crime organizado ainda é o maior desafio do MPCE

O procurador-geral Plácido Rios, em fim de gestão, ressalta os pontos fortes da atuação do Ministério Público do Ceará como o combate à sonegação de impostos e a reestruturação física e tecnológica do órgão em quatro anos

Escrito por Inácio Aguiar e Jéssica Welma , politica@svm.com.br
Legenda: Plácido Rios assumiu a liderança do MPCE em 2016 e foi reconduzido em 2018, a partir de lista tríplice
Foto: Foto:MPCE

Quando assumiu a gestão do Ministério Público do Ceará (MPCE), em 2016, o procurador-geral de Justiça, Plácido Rios, conta que, em conversa com o secretário da Segurança Pública do Estado à época, o integrante do governo não reconhecia a presença de organizações criminosas no Ceará. “A primeira coisa para se resolver um problema é ter consciência de que ele existe”, diz Plácido. Quatro anos depois, o combate a essas organizações ganhou forma, mas, para o procurador-geral, é também o maior desafio para a próxima gestão.

“Em 2016, a sociedade estava órfã do combate efetivo à criminalidade organizada. Não tínhamos um preparo para isso. O maior desafio vai ser a gente continuar com essa atuação que nasceu recentemente”, afirmou Plácido Rios, ontem, em entrevista exclusiva ao Sistema Verdes Mares. 

A reestruturação que permite ao MPCE atuar contra o crime organizado passa por investimentos em infraestrutura e em tecnologia. De 2016 a 2019, a verba aplicada em infraestrutura passou de cerca de R$ 3,3 milhões para R$ 25 milhões. Em tecnologia, de R$ 3,4 milhões para R$ 18 milhões. Ainda assim, há carência, por exemplo, de expertise para combater crimes cibernéticos, pontua Plácido.

“A dinâmica do crime é muito rápida. Eles estão em constante mutação, estamos tratando de uma megaempresa de criminalidade no Brasil. Temos organizações criminosas que são organizações terroristas. Mas por que eles não fazem atos terroristas? Porque o objetivo deles é o lucro, eles querem dinheiro”, afirma. 

É a relação entre o crime e o lucro que mais preocupa o Ministério Público, destaca Plácido. Segundo ele, a necessidade das organizações criminosas de lavarem dinheiro tem os aproximado da política. 

“Para botar o dinheiro para circular, eles precisam de alguma atividade lícita. Por isso, nosso grande receio hoje, do Ministério Público do Brasil inteiro, da sociedade em geral, é de esse dinheiro já estar sendo usado na política como caixa dois. Isso aí é uma ramificação perigosíssima”, alerta.

No Ceará, diz Plácido, ainda não há denúncias de relação entre o crime e a política, mas existem “várias investigações de lavagem de dinheiro, que envolvem tudo isso”, afirma. 

Sonegação

A evolução do Ministério Público, ligada principalmente à abertura de fontes de receita própria do órgão, como arrecadação sobre o valor das despesas processuais do Tribunal de Justiça do Estado; também passa por esforço em conjunto contra a sonegação fiscal. 

“Muito mais dinheiro se evade para a implementação de políticas públicas através da sonegação que da corrupção, estimo que cinco vezes mais. Então, hoje, estamos revendo todo o trabalho que era feito no Ceará”, ressalta Plácido.

Desde 2018, o Grupo de Atuação Especial de Combate à Sonegação Fiscal (Gaesf) atua em parceria com a Secretaria da Fazenda para desmontar esquema criminoso voltado para crimes contra a ordem tributária, na Operação Aluminum. O compartilhamento dos esforços permeia outras áreas também. “Essa sintonia que passou a existir criou certa credibilidade para instituição e a necessidade que o Governo viu de investir mais no Ministério Público”, diz o PGJ.

Em quatro anos, ressalta Plácido, o orçamento do MPCE saiu de cerca de R$ 370 milhões para R$ 500 milhões previstos para 2020. 

Próxima gestão

No fim do seu segundo mandato, Plácido passa o bastão para o próximo procurador ou procuradora-geral no dia 6 de janeiro. O governador Camilo Santana (PT) deve anunciar na próxima semana o nome escolhido a partir da lista tríplice eleita por promotores e procuradores do MPCE no início do mês. Incluem a lista, por maioria dos votos, o promotor Manuel Pinheiro, a procuradora Vanja Fontenele e o promotor Nestor Cabral.

Os três atuaram na gestão de Plácido no MPCE. O novo líder assume o órgão em ano de eleições municipais. Para Plácido, o esforço principal é de prevenção. Sob seu comando, o Ministério Público foi responsável pelo afastamento de 15 prefeitos.

Corrupção

“Enquanto não tivermos a tão sonhada reforma política vamos caminhar pouco nessa área. Não é possível a gente continuar tendo recursos desviados da máquina pública para subsidiar campanha. É um problema de todo o Brasil, que faz o próprio corrupto se sentir legitimado, porque ele diz que não está tirando para ele, mas para um bem maior", pontua.

Nos últimos anos, Plácido reconhece que houve uma redução no trabalho dos órgãos voltados ao combate à corrupção de autoridade com prerrogativa de foro no País - trabalho desempenhado, no Ceará, pela Procuradoria de Crimes Contra a Administração Pública (Procap). Para ele, isso aconteceu pela decisão do Supremo Tribunal Federal em definir a prerrogativa para crimes cometidos em exercício de mandato e dentro das atribuições do cargo.

"O que tivemos não foi um prejuízo para investigação, foi um ganho, mas a gente precisa remodelar as instituições para que aquela promotoria tenha capacidade de investigar", diz Plácido. Ele afirma que o combate aos crimes contra o patrimônio público foi pulverizado em diferentes procuradorias. "Muitos crimes de corrupção em prefeituras são feitos por organizações criminosas, muitos municípios agem em conluio" diz Plácido, como exemplo da expansão das investigações para outros núcleos.

Ministério Público reestruturado para a nova administração

Uma das mudanças mais visíveis do órgão nos últimos anos diz respeito à estrutura física. Para o procurador-geral, Plácido Rios, é a maior marca que deixa de sua gestão.

Tínhamos uma infraestrutura caótica, muito deficitária. Eu cheguei no Ministério Público e, para traçar um planejamento estratégico, foi difícil porque vi promotores criminais em Fortaleza sem ter uma mesa e uma cadeira para trabalhar”, afirma. 

A nova gestão do MPCE assumirá com a inauguração de uma nova sede, no Cambeba, onde funcionava o extinto Tribunal de Contas dos Municípios (TCM). A inauguração está prevista para 6 de janeiro. Recentemente, o MPCE recebeu também a doação de um terreno da Prefeitura de Fortaleza, próximo ao Fórum Clóvis Beviláqua.

O investimento em infraestrutura e pessoal, no entanto, ainda deve ser um foco da próxima gestão. Há reestruturações sendo feitas também em prédios do Interior. 

“Aprovamos uma lei criando 465 cargos de assessoria jurídica. O promotor tem uma facilidade muito maior de trabalhar porque ele vai se preocupar com aquilo que é realmente importante. Ao invés de estar preparando um ofício, ele vai se dedicar à parte de investigação, de produção mesmo de uma promotoria de Justiça”, ressalta Plácido.

O investimento em tecnologia também foi um avanço na atual gestão e foi um ponto presente nas discussões da última campanha para definição da lista tríplice. “Hoje toda promotoria do estado do Ceará não trabalha mais com papel. Foi um salto de qualidade necessário”, destaca.

Plácido relembra que, quando assumiu, não havia uma comunicação interna eficiente dos processos. “Dentro de uma promotoria você não sabia qual o procedimento estava tramitando. Hoje, qualquer pessoa do povo pode, através do sistema, acessar o trabalho de uma promotoria”, pontua.

O procurador também frisa como relevante a transparência do órgão. “Essa parte de infraestrutura foi, sem dúvida, a mais marcante. E a transparência. A gente receber, reiteradamente, o título de Ministério Público mais transparente do Brasil é extraordinário”.

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