Bolsonaro recorre à rede obrigatória de rádio e TV mais do que seus últimos três antecessores

Levando em consideração pronunciamentos oficiais no rádio e na televisão, simultaneamente, ele é o presidente que, no mesmo intervalo de tempo, mais usou a estratégia de falar direto à população nos últimos 25 anos

Escrito por Wagner Mendes ,
Legenda: Bolsonaro usou a rede obrigatória de rádio e televisão já por dez vezes no governo
Foto: Foto: Isac Nóbrega/PR

Com um ano e meio de Governo, o presidente Jair Bolsonaro (Sem Partido) recorreu à rede obrigatória de rádio e televisão para falar diretamente aos brasileiros em dez oportunidades. O número, proporcional ao tempo de comando do Executivo Nacional, é maior do que o dos ex-presidentes Michel Temer (MDB), com quatro; Dilma Rousseff (PT), com seis no primeiro mandato e dois no segundo; Lula (PT), com três no primeiro mandato e quatro no segundo; e que o segundo mandato do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), com dois.

Assim como Bolsonaro, apenas o tucano chegou a dez no mesmo período de Governo, entre 1995 e 1996. Os dados foram solicitados à Presidência da República pelo Diário do Nordeste por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI).

Há 40 anos, resultado de decreto do então presidente João Baptista Figueiredo, a convocação das redes de rádio e de televisão, no Brasil, foi regulamentada para a "preservação da ordem pública e da segurança nacional" ou do "interesse da administração". Nos últimos 25 anos, ela foi usada em diversas ocasiões, protocolares e em crises.

Por meio de um texto preparado previamente, os presidentes da República, da Câmara dos Deputados e do Senado falam à Nação em todas as emissoras de televisão e rádio do País no mesmo horário. Ministros de Estado, desde que autorizados pelo Planalto, também são autorizados a se beneficiar do decreto. O sinal é o mesmo utilizado por "A Voz do Brasil", e chega aos rincões brasileiros.

Recorrer à rede obrigatória é a certeza de atingir quase a totalidade dos brasileiros para temas institucionais. Faz com que o líder fale diretamente ao País e ao povo. Fernando Henrique Cardoso utilizou o espaço, com frequência, para tratar de economia.

Eleito com a pauta do plano real e da estabilização da inflação, o tucano chegou a falar, em uma oportunidade, por 15 minutos ininterruptos aos brasileiros sobre o aniversário do real. FHC também prestou contas de viagens ao exterior, pediu apoio às reformas, lançou metas sociais e planos de melhoria de educação básica. No segundo mandato, a preocupação era com a perda do prestígio da moeda brasileira e o câmbio.

Lula, por outro lado, usou o espaço para falar de reformas gerais, de política externa, financiamento da saúde pública, sistema aéreo brasileiro e educação. Dilma Rousseff falou à Nação em cadeia de rádio e TV sobre educação, políticas afirmativas, saúde, mulher na política e desenvolvimento econômico. Michel Temer mandou mensagens de natal, fez balanços do Governo, pediu apoio a reformas econômicas e tratou ainda da segurança pública.

Embora Fernando Henrique Cardoso e Bolsonaro tenham empatado - no primeiro mandato do tucano - em número de pronunciamentos, FHC costumava dividir a mesma mensagem em transmissão única no rádio, e, no dia seguinte, na televisão. O que, na prática, deixa o atual presidente na liderança como o mandatário dos últimos 25 anos que mais recorreu à obrigatoriedade da veiculação da mensagem presidencial.

Governo

Em um ano e meio de Governo, o presidente Jair Bolsonaro contabiliza embates com a imprensa profissional. O uso dos pronunciamentos em rádio e televisão se insere, neste contexto, em uma estratégia de comunicação que difere das que foram adotadas por seus antecessores, em que o presidente mantém um contato mais direto com o público.

Para Helena Martins, doutora em comunicação pela Universidade de Brasília (UnB) e professora da Universidade Federal do Ceará (UFC), o Palácio do Planalto tenta se distanciar de instâncias mediadoras de debates como numa entrevista tradicional. O uso constante das redes sociais na gestão é exemplo, mais uma vez, da fuga do confronto.

"Ele faz isso nas redes sociais que permitem o direcionamento de discursos de posts, mas, ao mesmo tempo, também busca falar à Nação sem precisar passar pela mediação de um veículo da imprensa, de uma pergunta que pode ser constrangedora. Esse uso frequente desse instrumento diz que ele não busca um diálogo democrático aberto a críticas, mas unidirecional à exposição dos seus pensamentos", argumenta.

A fala de Martins aponta para a forma como o presidente tem utilizado o canal de comunicação. Ao contrário dos ex-presidentes, que recorreram ao instrumento em ocasiões protocolares, salvo poucas exceções, Bolsonaro já levou à rede obrigatória pontos de crise do Governo, como quando precisou discutir queimadas na Amazônia, episódio de tensão internacional e local, além da problemática que envolveu o Governo Federal com a pandemia da Covid-19.

Divergências com relação às recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS) marcaram as falas do presidente à rede obrigatória desde o início da pandemia. Ao todo, foram cinco pronunciamentos que trataram da crise na saúde provocada pelo novo coronavírus.

De acordo com a pesquisadora em comunicação, o presidente, ao contrário dos antecessores, "não tem a utilização (da rede) para a promoção de informação, mas para defesa de pontos de vistas".

Relações

O sociólogo da UFC, Jonael Pontes, lembra que Bolsonaro alimenta "relações frágeis de diálogo com a mídia" desde antes de assumir a Presidência da República, o que teria reflexos no número de pronunciamentos em rádio e televisão nesse período.

Pontes argumenta que o uso frequente da rede obrigatória pelo atual Governo pode ser compreendido como uma tentativa de expor um ponto de vista sem o risco de confronto de imprensa. "Não podemos esquecer que esse comportamento, da forma como ele dialoga com a mídia, é algo que vem sendo construído desde a campanha eleitoral", diz. Para ele, o Governo não parece preocupado com "um debate de ideias".

Estratégias

Ao lembrar a inexistência de repórteres em pronunciamentos transmitidos em cadeia nacional de rádio e TV, o historiador João Júlio Gomes, doutor em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), detalha que "os pronunciamentos são escritos por assessores diretos ao presidente, e que não é algo improvisado, e sim escrito por pessoas preparadas, com palavras muito bem escolhidas para atingir as pessoas, os setores sociais" em meio ao grande público.

Citando o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, o professor avalia, contudo, que as redes sociais são o principal veículo de comunicação de Bolsonaro no Governo. O presidente utiliza com frequência o Twitter, por exemplo, para noticiar as ações de gestão e também criticar seus adversários políticos e de sua gestão.

Professor de História do Brasil na Universidade Estadual do Ceará (Uece), Gomes relembra o ex-presidente Getúlio Vargas, que recorreu ao rádio como grande novidade comunicativa à época para falar diretamente com a população sem que houvesse o intermédio da imprensa escrita, na época.

"Getúlio Vargas fez do rádio uma ferramenta política que ele utilizou muito sistematicamente ao longo do período do governo dele, sobretudo no Estado Novo. De acordo com a época, as tecnologias se apresentam. Mais adiante, outros presidentes começaram a fazer o uso da televisão que depois foi a grande novidade", explica o historiador.

Para ele, as redes sociais, assim, surgem como a novidade do presidente Jair Bolsonaro tanto na eleição presidencial como no mandato. O chefe do Palácio do Planalto, no entanto, não abriu mão dos meios tradicionais, como, por exemplo, mantém a tradição sem fugir das estratégias de comunicação.

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