Bancada religiosa cresce e aposta em pautas de cunho moral na AL

Com um parlamentar a mais na nova legislatura, a bancada da Bíblia quer, agora, criar uma Frente Parlamentar Cristã. Presença da religião nos parlamentos, entretanto, é alvo de questionamentos de cientistas políticos

Escrito por Márcio Dornelles ,

"Havendo número regimental e invocando a proteção de Deus", o presidente da Assembleia Legislativa do Ceará, José Sarto, abriu a primeira sessão ordinária da nova legislatura, no dia 6 de fevereiro. A presença de manifestações de cunho religioso e projetos com valores entendidos como cristãos fazem parte dos parlamentos e, neste ano, tem ganhado mais espaço com a eleição de deputados identificados com tais bandeiras. No Ceará, a bancada religiosa, ou da Bíblia, tem, pelo menos, cinco deputados estaduais, um a mais que na legislatura passada. A participação de membros de segmentos religiosos, entretanto, recebe questionamentos dentro e fora da Assembleia.

Apesar da não reeleição do deputado Carlos Matos (PSDB), a bancada religiosa permaneceu representada pelos deputados Walter Cavalcante (MDB), David Durand (PRB) e Silvana Oliveira (PR), e ganhou, a princípio, mais dois integrantes, com a eleição do Apóstolo Luiz Henrique (PP) e do Delegado Cavacante (PSL).

A presença da religiosidade na Assembleia foi exposta já na posse dos deputados estaduais, em 1º de fevereiro. Silvana e Luiz Henrique promoveram uma celebração religiosa no comitê de imprensa do Legislativo, com direito a líder religioso emocionado falando ao microfone.

Uma das principais pautas da bancada na nova legislatura, porém, começou a tramitar na anterior. Silvana Oliveira reapresentou o projeto Escola sem Partido, agora como projeto de lei 20/2019, que defende "neutralidade política, ideológica e religiosa do Estado", o "pluralismo de ideias" e o combate à violência verbal ou física por conta de "discordâncias ideológicas, partidárias e religiosas". A ideia tem o contraponto do projeto 24/19, de Elmano de Freitas, que dispõe sobre as garantias constitucionais de liberdade de expressão e de pensamento dos professores, seja na educação básica ou nas universidades.

A polêmica se arrasta desde 2015, quando a parlamentar apresentou o projeto de lei 273/15. A proposição chegou a ser aprovada, no fim do ano passado, pela Comissão de Constituição, Justiça e Redação da Assembleia, mas foi retirada de pauta pela deputada Silvana após pressão feita por movimentos sociais.

"Eu reapresentei o projeto Escola sem Partido, que foi meu compromisso da legislatura anterior. Entendo que, independentemente de ser aprovado, como é um projeto informativo, quanto mais tempo ficar em pauta, mais bem faz à sociedade", disse Silvana. A atuação da parlamentar, marcada por discursos firmes com cunho religioso, não raro gera polêmicas e enseja debates sobre a relação entre religião e política. "O que chamam de bancada religiosa, para mim, é uma honra fazer parte desse seleto grupo, que representa a maior parte da sociedade", argumenta a deputada, sobre as críticas.

Frente cristã

Em primeiro mandato, o deputado Apóstolo Luiz Henrique encampa a possível criação da Frente Parlamentar Cristã, alinhado com outros parlamentares de perfil religioso. O Regimento Interno da Assembleia, todavia, não faz menção à formação de frentes parlamentares. Sobre a atuação na Casa, o deputado afirma que foi enviado por Deus, "através do povo cearense, para defender o cristianismo, a família tradicional, a pureza das crianças e também a ressocialização".

Luiz Henrique diz que "críticas construtivas sempre serão aceitas" diante da postura adotada no Plenário 13 de Maio, mas rejeita avaliações que "depreciam e escarnecem" a atuação da bancada religiosa. Na mesma linha, Walter Cavalcante cita o papa Francisco para justificar a presença da religião dentro da política.

"O papa Francisco diz que a Igreja não pode se dissociar da política, que usa a política para fazer o bem", comenta Walter Cavalcante.

David Durand e Delegado Cavalcante são igualmente identificados com a pauta cristã. Cavalcante, também ligado à Segurança, aliás, é responsável pelo Terço dos Homens, que acontece na Assembleia há 11 anos. Ele faz coro à criação da Frente Parlamentar Cristã na Assembleia.

O elo cada mais forte entre religião e política tem duas leituras, na visão do cientista político Emanuel Freitas. Professor de Teoria Política na Universidade Estadual do Ceará (Uece), ele afirma que "por um lado é salutar, porque mostra que na política há espaço para todos os segmentos da sociedade. Só que, em se tratando de religiosos, eles contam com toda uma estrutura social de TV, rádio, de influência, de penetração social, que outros setores da sociedade não têm. Eles partem na frente, podendo ter nomes que são arregimentados dentro das igrejas".

Críticas

Segundo Freitas, sobretudo a partir de pautas de governos que incrementaram políticas públicas consideradas progressistas, os movimentos religiosos ganharam mais corpo, porque "atingiram diretamente os interesses dessas denominações", a citar a defesa de grupos LGBT e mulheres.

O cientista político Uribam Xavier, professor do departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Ceará (UFC), afirma que a religião sempre esteve presente na política, mas alerta que, quando se aproxima do poder, "toda aquela mensagem positiva vira negativa. Ela mata em vez de ser amor, como nas cruzadas, as inquisições, as reformas protestantes, que foram violentas também".

Para ele, "sempre que há a aproximação da religião com política, temos uma perda para a sociedade, porque essa confusão de papéis, de você querer que a diversidade da vida seja normatizada por valores religiosos, seja qual for a matriz religiosa, é uma forma de limitar a liberdade e o não respeito ao outro".

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