Assumir protagonismo no Legislativo é desafio para mulheres

Além de dificuldades para serem eleitas, políticas precisam enfrentar obstáculos dentro dos espaços do poder para ascenderem a cargos de relevância. Somente 16 vereadoras comandam câmaras municipais no Ceará

Escrito por Miguel Martins ,

"As mulheres que têm na Câmara, coloquei todas na Mesa Diretora comigo", destaca Lindalva Batista Linhares (MDB), vereadora do Município de Tabuleiro do Norte no sexto mandato, e presidente da Câmara Municipal pela segunda vez. Ela faz parte de um seleto grupo de 16 mulheres em todo o Ceará que, ao ingressarem nas casas legislativas, conseguiram ascender a cargos de relevância no Poder Legislativo.

No entanto, a realidade na maioria das câmaras municipais - e até na Assembleia Legislativa - ainda está longe de ser a ideal quando o assunto é equidade de gêneros nos espaços representativos do poder no Estado. Na última eleição municipal, de 2016, 4.239 mulheres se candidataram ao cargo de vereadora. Entretanto, somente 355, de um total de 2.176 vereadores eleitos, se consagraram vitoriosas.

Das 184 câmaras municipais do Ceará, somente 16 são presididas por mulheres. Naquele mesmo ano, na disputa pelas prefeituras para os atuais mandatos, a situação não foi diferente. Ao todo, foram lançadas 76 candidaturas femininas no Estado, frente a 428 de homens. Apenas 25 mulheres foram eleitas prefeitas.

A falta de representatividade feminina em cargos de destaque no comando dos legislativos e executivos, contudo, não é uma realidade apenas nos municípios. No pleito de outubro passado, foram eleitas seis mulheres para a Assembleia Legislativa - dentre 46 vagas - e somente uma para a bancada federal cearense na Câmara dos Deputados.

Atualmente, na Assembleia, a deputada Augusta Brito (PCdoB) ocupa a quarta secretaria da Mesa Diretora, uma função secundária. Na Câmara dos Deputados, Mariana Carvalho (PSDB) é a segunda-secretaria da Casa, em meio a dez homens que compõem a Mesa Diretora.

Sem espaço

Já no Senado Federal, que tem o cearense Eunício Oliveira (MDB) na presidência, não há nenhuma mulher ocupando espaço de destaque na Mesa Diretora atualmente. Neste cenário, Tabuleiro do Norte, no Vale do Jaguaribe, é uma exceção. "As mulheres que têm na Câmara (de Tabuleiro do Norte), eu coloquei todas comigo. A presidente, a secretária e a segunda secretária", reafirma a vereadora Lindalva Batista.

Agente de saúde por formação, a emedebista, no sexto mandato consecutivo, diz que precisou se impor para ter espaço no cargo máximo do legislativo municipal de Tabuleiro do Norte. "Havia um acordo para que o meu partido indicasse o presidente, e eu briguei com todos e consegui", recorda, com orgulho.

De acordo com ela, é preciso que as mulheres imponham seus espaços para além das funções convencionais nos legislativos e executivos "porque o homem não vai te dar esse espaço". Em Jaguaretama, a vereadora Ana Kelly preside a Câmara Municipal formada majoritariamente por homens.

A vereadora Joana D'arc, em Pereiro, tentará novo mandato para comandar uma Casa formada por 11 vereadores. Já em Uruburetama, Stela Rocha foi eleita, na sexta-feira (23), presidente da Câmara Municipal para o biênio 2019-2020.

Quarta-secretária na Mesa Diretora da Assembleia Legislativa, a deputada estadual Augusta Brito, do PCdoB, afirma que sempre foi difícil galgar espaços no Legislativo cearense. Segundo ela, geralmente, quando uma parlamentar chega à Assembleia, é de imediato indicada para comissões com temáticas ligadas a relações humanas, deixando os colegiados com pautas mais técnicas para deputados homens.

Cultura

"Isso não é proposital, mas é cultural. Você tem que trabalhar dobrado aqui (na Assembleia Legislativa) para ter as mesmas oportunidades. Podemos estar em qualquer um dos espaços", reclama.

A coordenadora especial de Políticas Públicas para Mulheres do Governo do Estado, Camila Silveira, ressalta que uma mulher ser eleita já é um grande passo, mas defende que, em seguida, ela precisa se empoderar para garantir espaços de destaque no Legislativo.

Ela observa que, geralmente, as parlamentares são direcionadas a discutir temas que lembram a extensão das casas, como educação, saúde dos filhos, direitos humanos. "Na verdade, a mulher pode discutir qualquer assunto, inclusive o financiamento público e reformas administrativas. Ela é boa para ser secretária de organização, mas por que não é boa para ser presidente de poder?", questiona.

A cientista política e professora universitária Carla Michelle Quaresma, por sua vez, analisa que o Poder Legislativo é um espaço majoritariamente masculino, pois se construiu dessa forma. Historicamente, avalia ela, fez-se da política um espaço para homens e, mesmo com a incorporação das mulheres, ainda há dificuldades para que consigam lidar com o jogo exigido no campo político.

Articulações

"Para chegar a presidir uma Casa Legislativa, ela precisa formar acordos, alianças de bastidores, e, muitas vezes, esses acordos passam por questões que não fazem parte da moralidade convencional. A mulher, por questão de moralidade convencional, não tem essa habilidade para chegar a esses espaços extremamente fechados", considera.

Carla Michelle Quaresma argumenta ainda que a mulher, culturalmente, não é "treinada" para lidar com o jogo de poder. Sem contar que a participação feminina na política é minoritária. "Como é que vão eleger uma mulher para chefiar o Congresso, se ele é majoritariamente masculino?", questiona. A busca por respostas permanece, dentro e fora dos parlamentos.

16 mulheres presidem câmaras municipais no Estado

Maria da Conceição Alves (Aracoiaba) 

Rachel Silva (Ararendá) 

Maria Pereira Lira (Barro) 

Mercedez Izquierdo (Barroquinha) 

Ana Natércia (Caucaia) 

Mauriene Francisco (Croatá) 

Vanderlania Morais (Eusébio) 

Joseffa Luciene (Ipaumirim) 

Ana Kelly (Jaguaretama)  

Maria das Dores (Jucás) 

Cláudia Cruz (Paramoti) 

Joana D’arc (Pereiro) 

Sabrina Lays (Pindoretama) 

Maria Bezerra Cavalcante (Potengi) 

Daniele Vasconcelos (Senador Sá) 

Lindalva Batista (Tabuleiro do Norte) 

Stela Rocha (Uruburetama)*

*eleita na última sexta-feira (23) 

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