Associações vão ao Planalto contra projeto de abuso de autoridade

Nove entidades assinaram um manifesto contra a matéria aprovada pela Câmara dos Deputados. A estratégia é conseguir vetar integral ou parcialmente novas regras na atuação de juízes e procuradores

Escrito por Wagner Mendes , wagner.Mendes@verdesmares.com.br
Legenda: Sob forte pressão do PSL, e da base eleitoral, o presidente Jair Bolsonaro avalia vetos a trechos do projeto.
Foto: Foto: divulgação

Depois de aprovada a lei de abuso de autoridade, em votação simbólica na Câmara dos Deputados, a trincheira de diversas entidades nacionais contrárias ao projeto é, agora, no Palácio do Planalto. O projeto espera a sanção presidencial para entrar em vigor.

A expectativa, por parte de juízes e procuradores, é que o presidente Jair Bolsonaro vete a matéria na íntegra ou retire pontos específicos considerados mais prejudiciais às categorias. O ex-juiz Sergio Moro, ministro da Justiça, é a esperança das associações para fazer frente à pauta do Congresso Nacional.

Em entrevista ao Diário do Nordeste, o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Jayme de Oliveira, declarou que, apesar do "bom diálogo" que teve com os parlamentares, não houve acordo para alterar o texto a tempo da votação.

"Havia um entendimento dos líderes partidários no sentido de votar e aprovar (o projeto) sem modificações. Porque se houvesse modificações, voltaria para o Senado. Então, ia demorar o exame da questão. Isso acabou, então, levando à votação e aprovação", lamentou o presidente.

Oliveira admitiu que não tinha a esperança de barrar o projeto, e sim "melhorar o texto" que chegou do Senado. O mesmo conteúdo da proposição do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) precisaria ser aprovado pelas duas casas para continuar a tramitação e ser chancelado pelo presidente da República.

A AMB admite ingressar no Supremo Tribunal Federal (STF), caso a decisão de Bolsonaro seja em desfavor das categorias. Nas redes sociais, o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Fábio George, iniciou a campanha "#VetaBolsonaro" para tentar fortalecer a mobilização nacional contra a matéria.

"O projeto traz definições vagas e subjetivas de condutas criminosas e resultará em insegurança jurídica, indo na contramão dos esforços desenvolvidos no País contra a corrupção e o crime organizado", publicou.

Ainda na noite de ontem, a Frente Associativa da Magistratura e do Ministério Público (Frentas) emitiu uma nota de "indignação" contra a aprovação do projeto "que contém uma série de falhas e impropriedades que inibem a atuação do Ministério Público, do Poder Judiciário e das forças de segurança".

A Frente admitiu a necessidade de aperfeiçoamento na legislação em vigor sobre o assunto (a atual é de 1965), mas criticou a ausência de debate.

"O tema deveria ter sido tratado com serenidade, a partir de um amplo debate, em tramitação ordinária, exatamente o oposto do que ocorreu na Câmara dos Deputados, que aprovou o texto sem qualquer discussão, em regime de urgência", diz um trecho do documento assinado por nove entidades.

Vetos

Sob forte pressão do PSL, e da base eleitoral, o presidente Jair Bolsonaro avalia vetos a trechos do projeto. A análise técnica, que é feita pela equipe jurídica do Palácio do Planalto, só será iniciada na próxima semana, mas assessores presidenciais dizem que Bolsonaro se mostrou sensível ao apelo de deputados e senadores do PSL.

Eles pedem que pelo menos dois artigos da proposta sejam retirados: a detenção de magistrados que determinarem prisão preventiva sem amparo legal e a classificação da abertura de investigação sem indícios de crime como abuso de autoridade. Ontem, após evento militar, Bolsonaro disse que analisará na semana que vem a proposta e que discutirá o assunto com sua equipe ministerial.

"O projeto vai chegar à minha mesa e os ministros vão dar cada um a sua opinião, sugestão de sanção ou alguns vetos, e vamos tomar a decisão de forma bastante tranquila e serena", disse.

O presidente afirmou haver autoridades que praticam abusos, mas ponderou que não pode haver cerceamento aos trabalhos do Poder Judiciário.

"Existe abuso, somos seres humanos, mas a gente não pode cercear os trabalhos das instituições. A pessoa tem de ter responsabilidade quando faz algo que é dever, mas tem que fazer baseado na lei", disse.

Ele citou como um exemplo de abuso de autoridade o fato de ter virado réu por apologia ao estupro no episódio no qual disse que não estupraria a deputada federal Maria do Rosário (PT-RS) porque ela "não merece".

Diante da movimentação de aliados favoráveis a vetos a pontos do projeto de lei, auxiliares do presidente foram informados por líderes do Congresso que, caso decida mexer no texto, deputados já articulam uma derrota ao Governo Federal.

O recado foi dado ao ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM), em uma reunião no gabinete do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Durante a conversa, ficou acertado que a Casa aceitará a derrubada de apenas um artigo do texto: o que trata do uso de algemas.

A negociação para derrubar esse trecho aconteceu ainda na última quarta-feira (14), antes de os deputados aprovarem o projeto. Numa reunião da qual participaram os líderes do Governo na Câmara e no Congresso.

"A lei é para todos"

Na medida em que o projeto avança na tramitação, o tema ganha repercussão entre as instâncias judiciais. O presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro João Otávio de Noronha, entrou em defesa do projeto ao alegar não ter "nada a temer" e que juízes precisam ter limites como qualquer outra autoridade.

"A lei é para todos. E nós também, juízes, temos que ter limites na nossa atuação, assim como têm os deputados, o presidente da República, como têm os ministros do Poder Executivo. Portanto, acredito que o que tem aí deve ser um aprimoramento da legislação", disse Noronha.

Questionado sobre um dos pontos do texto aprovado, segundo o qual se torna crime prorrogar investigação sem razão justificável, Noronha afirmou que o texto "chove no molhado", uma vez que tal conduta já seria proibida pelo Código de Processo Penal. "Portanto, isso não pode nos intimidar. Nós, juízes, não podemos nos intimidar por nada. Nós, juízes, temos de estar blindados a intimidações".

Noronha ponderou, porém, que ainda vai examinar com calma o texto e que "se tiver algum vezo de inconstitucionalidade" vai alertar o presidente Jair Bolsonaro para não sancionar o projeto de lei. "Se estiver tudo de acordo, vamos então pedir que sancione, e como bons aplicadores das normas, haveremos de respeitar", afirmou.

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