Três pessoas são mortas pela polícia para cada fuzil apreendido no RJ

Esses números seguem uma tendência de alta desde 2015, mas atingiram seu maior patamar em 2018 e 2019

Escrito por Folhapress ,
Legenda: 1.250 Pessoas foram a óbito em intervenções da polícia de janeiro até agosto deste ano
Foto: Reprodução

No Rio de Janeiro, em média três pessoas são mortas por policiais para cada fuzil apreendido. É o que mostra um cálculo feito pelo Instituto Sou da Paz, que estuda políticas públicas de segurança há 20 anos, com base nos dados oficiais do estado.

Essa relação é de uma apreensão para 2,53 óbitos quando se considera todas as armas de alto poder de fogo recolhidas, incluindo também carabinas, submetralhadoras e metralhadoras -a conta engloba todas as mortes por agentes em serviço, não só aquelas durante apreensões.

A alta nos numeros coincide com a intervenção federal no estado, marcada por megaoperações em favelas, e com o governo Wilson Witzel (PSC), que vem defendendo ações que terminam em morte mesmo antes das investigações.

Foram 396 fuzis retirados de circulação de janeiro até agosto deste ano, enquanto 1.250 pessoas foram a óbito em intervenções da polícia no mesmo período. É como se, em um único dia, um armamento desse tipo fosse apreendido, enquanto cinco pessoas são mortas.

Para Bruno Langeani, gerente do instituto, os dados demonstram um erro de estratégia nas recentes políticas de segurança do Rio, assunto que voltou à tona após a morte da menina Ágatha Félix, 8, no Complexo do Alemão -moradores dizem que quem atirou foi um PM, e a corporação afirma que a patrulha foi atacada e houve confronto.

"Os números ajudam a mostrar a irracionalidade dessa política de fazer operação em morro para apreender armas. Se de fato o foco é tirar armas das mãos de criminosos, o que está correto, a estratégia precisa ser alterada", afirma Langeani.

Ele e outros pesquisadores em segurança, que lançaram um manifesto nesta quinta (26), defendem que a forma mais efetiva de fazer isso é com inteligência: descobrir de onde os armamentos estão sendo desviados e fechar o foco do desvio antes que eles cheguem às comunidades.

Dessa forma, se evitam mais tiroteios, mortes tanto de civis como de policiais e outros efeitos caros a moradores de favelas e ao próprio Estado, como o fechamento frequente de escolas e postos de saúde. "É preciso contrapor a narrativa oficial de que mortes são um 'dano colateral' inevitável. Não são", diz o pesquisador.

Há diversos exemplos de ações de inteligência de sucesso no Rio de Janeiro. Uma das mais conhecidas é a do aeroporto internacional do Galeão, em 2017, em que a Polícia Civil achou 60 fuzis em uma carga de aquecedores de piscina.

Trocando informações com as agências americanas, os investigadores rastrearam o caminho dos equipamentos e alguns meses depois prenderam em Miami o "senhor das armas" do Brasil, Frederik Barbieri, agora já condenado nos EUA.

Outra mais recente, em março, foi a que encontrou 117 fuzis desmontados na casa de um amigo de Ronnie Lessa, PM reformado acusado de ter atirado na vereadora Marielle Franco. Em um único dia, a polícia apreendeu mais que o dobro do que apreende mensalmente, em média (50).

A Polícia Militar e a Polícia Rodoviária Federal também têm casos exitosos. No mês passado, o núcleo de inteligência da PM "estourou" uma fábrica clandestina que produzia até explosivos. No último sábado (21), a PRF abordou um carro que levava 48 pistolas e 1.830 munições a comunidades cariocas.

Armas obsoletas e sem condições de uso são destruídas durante a intervenção federal no Rio Tânia Rêgo 22.ago.18/Agência Brasil Armas obsoletas e sem condições de uso são destruídas durante a intervenção federal no Rio      "Quando o policial mata alguém em uma operação e pega o fuzil ou a droga, não consegue ter nenhum tipo de informação daquela apreensão nem desbaratar a quadrilha. Não fecha a torneira", afirma Langeani.

Esses exemplos exitosos contrastam com operações como a do último dia 18 no Complexo do Alemão, que deixou seis homens e o policial Fellipe Pinheiro, 34, morto. Empregando agentes de sete batalhões, a ação apreendeu cinco armas, 47 artefatos explosivos e drogas e prendeu três procurados.

Assim como Pinheiro, outros 12 policiais militares foram a óbito em serviço neste ano, e mais 24 no ano passado todo. Mais de 1.300 soldados na ativa também pediram licença médica em 2018, muitos deles com transtornos psiquiátricos.

As mortes deste ano vêm num contexto de aumento das operações das polícias Militar e Civil no estado. Segundo a gestão Witzel, foram quase 3.000 até junho, o equivalente a 17 por dia e 46% a mais do que no mesmo período do ano passado. O governo, porém, não divulga informações sistemáticas sobre os seus resultados.

Procuradas, as secretarias das duas polícias não se manifestaram sobre o levantamento do Instituto Sou da Paz nem comentaram sobre o plano traçado para retirar armas do crime.

O governador disse em julho que as mortes por policiais aumentaram justamente pelo maior número de operações, e que elas tendem a diminuir porque a "polícia já mandou o recado", o que não aconteceu nos meses seguintes.

No mesmo evento, ele afirmou que houve uma intensificação da atividade investigativa, com a criação, por exemplo, de um departamento de homicídios e de outro voltado a investigar a corrupção, o crime organizado e a lavagem de dinheiro.