Política de drogas: confira as mudanças sancionadas pelo Governo Bolsonaro

Novo texto permite internação involuntária de dependentes químicos

Escrito por Agência Brasil/Folhapress ,
Legenda: O presidente Bolsonaro sancionou a lei com mudanças no tratamento dos dependentes químicos
Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

O presidente Jair Bolsonaro sancionou, com muitos vetos, uma lei com mudanças na atual política contra drogas. O texto agora prevê e facilita a internação involuntária de usuários de droga, quando esta ocorre sem o consentimento. 

Internação involuntária

A lei diz que a internação se dará a pedido de familiar ou do responsável legal ou, na absoluta falta deste, de servidor público da área de saúde, da assistência social ou dos órgãos públicos integrantes do Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad), com exceção de servidores da área de segurança pública.

A internação involuntária só deverá ocorrer após a formalização da decisão por médico responsável, será indicada depois da avaliação sobre o tipo de droga utilizada, o padrão de uso e na hipótese comprovada da impossibilidade de utilização de outras alternativas terapêuticas previstas na rede de atenção à saúde.

Esse tipo de internação perdurará apenas pelo tempo necessário à desintoxicação, no prazo máximo de 90 dias, tendo seu término determinado pelo médico responsável. No entanto, a nova lei permite à família ou ao representante legal, a qualquer tempo, requerer ao médico a interrupção do tratamento.

"A internação, em qualquer de suas modalidades, só será indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes", diz a lei. "Todas as internações e altas de que trata esta lei deverão ser informadas, em, no máximo, de 72 (setenta e duas) horas, ao Ministério Público, à Defensoria Pública e a outros órgãos de fiscalização", acrescenta o texto, que ainda deixa "vedada a realização de qualquer modalidade de internação nas comunidades terapêuticas acolhedoras".

Nova proposta

O texto altera a Lei 11.343/2006 e mais outras 12 para tratar do Sisnad, definir as condições de atenção aos usuários ou dependentes de drogas e tratar do financiamento das políticas sobre drogas.

A norma tem origem em projeto de lei de autoria do ex-deputado e hoje ministro da Cidadania, Osmar Terra. Embora valorize o papel das comunidades terapêuticas no tratamento de dependentes químicos, como previa o projeto aprovado no Congresso, a lei sancionada trouxe vários vetos envolvendo esses centros de reabilitação, que, em sua maioria, funcionam com base em fé religiosa, terapia pelo trabalho e pela abstinência.

A lei trata ainda de drogas apreendidas, que deverão ser incineradas no máximo 30 dias após a apreensão. Já bens apreendidos poderão ser vendidos e o dinheiro arrecadado deverá ser depositado em conta judicial remunerada. Após sentença condenatória final, será revertido ao Funad (Fundo Nacional Antidrogas).

Bolsonaro vetou, por exemplo, o artigo que definia a composição do Sisnad. Esse era justamente o trecho que incluía formalmente as comunidades terapêuticas acolhedoras no sistema. "O dispositivo proposto define regras de competência, funcionamento e organização de órgãos do Poder Executivo, invadindo a competência privativa do Chefe do Poder Executivo para dispor por decreto sobre tal matéria", cita a razão do veto.

Sobre os vários vetos, o presidente rejeitou ainda o trecho da reinserção social e econômica, que previa uma reserva de 30% das vagas em empresas vencedoras de licitação para obras públicas voltadas para pessoas atendidas pelas políticas sobre drogas.

Também ficou de fora da nova lei as deduções do Imposto de Renda (IR) nas doações por pessoas físicas ou jurídicas a projetos de atenção a usuários de drogas, assim como vários pontos que tratavam da organização do Sisnad, incluindo funcionamento e composição de alguns conselhos.

Rede de atenção à saúde

O texto determina que o tratamento do usuário ou dependente de drogas deverá ser ordenado em uma rede de atenção à saúde, com prioridade para as modalidades de tratamento ambulatorial, podendo, excepcionalmente, haver internação em unidades de saúde e hospitais gerais, mediante autorização do médico devidamente registrado no Conselho Regional de Medicina (CRM) do Estado onde o estabelecimento da internação é localizado.

De acordo com a nova lei, entende-se por Sisnad o conjunto ordenado de princípios, regras, critérios e recursos materiais e humanos que envolvem as políticas, planos, programas, ações e projetos sobre drogas, incluindo-se nele, por adesão, os Sistemas de Políticas Públicas sobre Drogas dos Estados, Distrito Federal e municípios. "O Sisnad atuará em articulação com o Sistema Único de Saúde - SUS, e com o Sistema Único de Assistência Social - SUAS", diz a norma.

O texto sancionado institui a Semana Nacional de Políticas sobre Drogas, que será comemorada anualmente na quarta semana de junho e dispõe sobre a internação voluntária e a involuntária, que ocorre contra a vontade do dependente.

Autor do projeto

O ministro da Cidadania, Osmar Terra, autor do projeto de lei, comemorou hoje em seu twitter: "Pelo bem da família brasileira".

Recentemente, Terra disse não confiar em pesquisa da Fiocruz que concluía que no Brasil não havia uma epidemia de drogas . O estudo foi engavetado pelo governo federal.

"Eu não confio nas pesquisas da Fiocruz ", disse em entrevista ao GLOBO, para em seguida explicar seu raciocínio: "Se tu falares para as mães desses meninos drogados pelo Brasil que a Fiocruz diz que não tem uma epidemia de drogas, elas vão dar risada. É óbvio para a população que tem uma epidemia de drogas nas ruas. Eu andei nas ruas de Copacabana, e estavam vazias. Se isso não é uma epidemia de violência que tem a ver com as drogas, eu não entendo mais nada. Temos que nos basear em evidências."

Crítica especializada

A internação compulsória é criticada por especialistas, que a veem como retrocesso nas políticas públicas de combate às drogas.

"Entendemos que a internação pode ser parte do processo, mas não o primeiro passo de um tratamento e, ainda assim, tudo depende de cada paciente. Com o projeto de lei, a internação passa a ser um primeiro recurso. Isso por si só já é grave, pode aumentar consideravelmente o número de pessoas internadas " ressalta Paulo Aguiar, do Conselho Federal de Psicologia.

"É um ciclo vicioso: consumo, adição, dependência, abstinência, recaída. Quando a abstinência se impõe como modelo único, as taxas de recaída são muito altas e as de sucesso, muito baixas"  adverte o psicólogo português José Queiroz, diretor-executivo da APDES (Agência Piaget para o Desenvolvimento). A entidade trabalha há quase 20 anos com redução de danos em Portugal.