Em meio a divergências com presidente, Mandetta se recusa a assinar decreto sobre hidroxicloroquina

Entusiasta do medicamento, Bolsonaro está insatisfeito com a postura ponderada do ministro em relação a estabelecer um protocolo para o tratamendo com hidroxicloroquina

Escrito por Redação ,
Legenda: O ministro da Saúde tem tido divergências com o presidente em diferentes medidas a respeito da pandemia
Foto: Foto: Agência Brasil

Em reunião ministerial nesta segunda-feira (6) no Palácio do Planalto, o presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta expuseram divergências sobre o uso do remédio hidroxicloroquina em pacientes com coronavírus. As diferenças de opinião a respeito do uso do medicamento já apareciam em declarações públicas de ambos. Enquanto o presidente sempre enaltece o remédio, também usado para tratar malária, Mandetta é mais ponderado.

Nesta segunda, durante a reunião, Bolsonaro disse que havia conversado com especialistas que defendiam o uso do remédio em estágio inicial da doença. Bolsonaro citou um estudo da operadora Prevent Senior e do Hospital Albert Einstein que envolve o uso do medicamento em pacientes.

O ministro da Saúde, por sua vez, disse que a pesquisa citada ainda não havia sido publicada e defendeu que ainda não há protocolos seguros sobre o seu uso. O presidente cobrou um protocolo sobre a substância durante a pandemia.

> Após rumores de demissão, Mandetta diz que continua como ministro da Saúde

Depois da reunião, Mandetta foi levado a uma sala para assinar um decreto a respeito do uso da substância, mas se negou a endossá-lo, como ele próprio disse em entrevista à noite.

O decreto foi elaborado por médicos que defendem o tratamento com a substância. Entre eles, está Luciano Azevedo, que ajudou a intermediar junto a bolsonaristas um encontro da imunologista Nise Yamaguchi, também defensora da hidroxicloroquina, com Bolsonaro nesta segunda.

Embate
De um modo geral, avaliam ministros, a reunião ministerial serviu para Bolsonaro reforçar sua autoridade. O presidente disse que está sob ataque de adversários, reclamou de governadores e da imprensa e pediu união de seus auxiliares. Bolsonaro frisou que a palavra final sobre as medidas de combate à pandemia será dele. Segundos relatos, o chefe do Executivo disse que, no passado, deixou a equipe muito livre para tomar decisões. Mas afirmou que, agora, diante da atual crise, ele quer ser informado em detalhes sobre o que cada pasta planeja. 

Em dado momento, o presidente direcionou a fala ao ministro da Economia, Paulo Guedes, e insistiu que ele e Mandetta precisavam encontrar um ponto de equilíbrio entre a saúde e a economia. Apesar de Bolsonaro não ter indicado que vai demitir o ministro da Saúde, aliados avaliam que ele cobrou do auxiliar medidas concretas que prevejam a retomada de atividades nos próximos meses com segurança para a população.

No final do encontro, Mandetta disse que está no governo para contribuir, em um aceno ao presidente. 

Ministros, no entanto, estavam receosos com a reunião porque Bolsonaro chegou a dar sinais de que planejava substituir Mandetta por um nome técnico que fosse defensor da utilização da hidroxicloroquina. Integrantes do chamado núcleo moderado do governo, que inclui militares, conversaram nesta segunda desde cedo com o presidente, na tentativa de demovê-lo da ideia de demitir o chefe da Saúde no curto prazo.

Em conversas reservadas, Bolsonaro chegou a dizer que a situação estava insustentável e que o chefe da Saúde não contava mais com a sua confiança.
À noite, depois da reunião ministerial, porém, Mandetta afirmou que vai permanecer no cargo. "Vamos continuar enfrentando o nosso inimigo, que tem nome e sobrenome, Covid-19. Temos uma sociedade para lutar e proteger, médico não abandona paciente e não vou abandonar", disse, em entrevista.

"Hoje foi um dia que rendeu muito pouco o trabalho do ministério. Teve gente limpando gaveta, pegando as coisas. Até as minhas gavetas", completou Mandetta.

Substituição
A ideia inicial de Bolsonaro era exonerar o auxiliar apenas em junho, para não correr o risco de ser responsabilizado sozinho caso o sistema de saúde entre em colapso durante a pandemia. O núcleo moderado do Palácio do Planalto defende que, caso o presidente substitua Mandetta, escale um médico com um currículo respeitável, que ajude a reduzir um eventual desgaste público com a saída do ministro.

Sem a presença de Mandetta, o presidente almoçou com os quatro ministros palacianos e com o deputado federal Osmar Terra (MDB-RS). O parlamentar, cotado para o posto e defensor da hidroxicloroquina e do que Bolsonaro chama de isolamento vertical, tem ajudado o presidente em uma eventual transição da pasta.

Além deles, também estava presente no encontro a médica Nise Yamaguchi. Yamaguchi, que tem o apoio do grupo ideológico, passou a ser apontada pelo entorno de Bolsonaro como um dos possíveis para substituir Mandetta, caso ele seja demitido. Outro nome que conta com a simpatia de Bolsonaro é o do cardiologista Otávio Berwanger. Ele esteve com o presidente na semana passada em reunião com médicos no Palácio do Planalto.

O chefe do Executivo tem se incomodado com a demora do Ministério da Saúde em apresentar um protocolo claro para o uso do remédio. Bolsonaro também se queixa da falta de um plano detalhado para o combate ao vírus e retorno de atividades nos estados.

Recados
Na semana passada, Bolsonaro esteva prestes a demitir Mandetta, mas foi demovido por aliados próximos. Nesta segunda, ele passou a considerar uma exoneração até o final do dia, mas recebeu recados negativos também do Poder Legislativo. 

Os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), já informaram ao Palácio do Planalto que apoiam a permanência do ministro. O receio da articulação política é de que uma demissão possa estimular retaliações em votações do governo. 

 

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