CPI sobre Brumadinho patina sem obter provas contra cúpula da Vale

A comissão caminha em ritmo lento sem revelações de testemunhas-chave e sem analisar dados gerados por quebras de sigilo telefônico e de email

Escrito por FolhaPress ,
Legenda: Em 25 de janeiro, o rompimento matou 240 pessoas e deixou 32 desaparecidas
Foto: Foto: Mauro Pimentel / AFP

Com quase 60% do seu tempo já esgotado, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) criada no Senado para investigar o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho (MG) pouco avançou sobre as responsabilidades da cúpula da mineradora no desastre.

Ela caminha em ritmo lento sem revelações de testemunhas-chave e sem analisar dados gerados por quebras de sigilo telefônico e de email.

Em 25 de janeiro, o rompimento matou 240 pessoas e deixou 32 desaparecidas. A CPI, instalada em 13 de março com 11 titulares, deve acabar até meados de julho.

A dificuldade dos trabalhos levou a presidente da comissão, Rose de Freitas (Pode-ES), a pedir em plenário ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), a substituição de membros que não estão indo às reuniões.

"Nós estamos tendo um problema que é muito importante em relação a essa CPI. Os membros constantes da comissão, presidente, por excesso de atividades, não têm podido comparecer à comissão. E não podendo comparecer à comissão, nosso quórum tem sido restrito", disse.

Um dia antes, um dos senadores mais assíduos na CPI, Jorge Kajuru (PSB-GO), já havia apontado a baixa participação dos colegas. "Parece-me que é a nona ou décima reunião nossa, nós somos 11 membros, [porém] estamos aqui com quatro", pontuou.

Rose concordou: "Nossa luta é muito grande para trazer os senadores aqui. Alguns, quero destacar, vêm aqui, dão a presença, pelo menos colaboram para que a reunião possa ser realizada. Mas tenho um pensamento muito claro sobre isto: muito será cobrado a quem muito houver confiado".

O relator da CPI, Carlos Viana (PSD-MG), que também participou de todas as reuniões, reconheceu à reportagem que a comissão dá menos destaque "ao lado criminal", que ficaria a cargo das investigações já em andamento no Ministério Público Federal e na Polícia Federal, e se concentra em propor mudanças mais abrangentes de controle das barragens, com mudanças em leis e ações de fiscalização.

Contudo, em março, ao apresentar plano de trabalho, o relator colocou como primeiro objetivo da CPI: "Investigar as causas da tragédia, ouvindo os envolvidos e analisando documentos, com encaminhamento das conclusões ao Ministério Público Federal, ao Ministério Público de Minas Gerais e aos demais órgãos responsáveis pela continuação das investigações".

O relator disse à reportagem que as investigações do MPF, da PF e da própria CPI terão dificuldade para apontar suposta culpa da alta cúpula da Vale, por falta de evidências. Ficou provado até agora, afirma, que havia informações disponíveis para os altos diretores sobre a situação na mina, mas seria insuficiente para acusá-los de concorrer para o rompimento. Além disso, disse que há problema sobre o tipo penal a ser atribuído aos escalões mais baixos da Vale.

"A Polícia Federal está com muita dificuldade em tipificar o crime como homicídio. Porque você tem os mortos, mas não tem a definição de quem seria o responsável direto. A investigação até o momento está muito clara de que os gerentes e diretores ligados a Brumadinho tinham consciência de que a barragem poderia se romper. E o grande desafio é qual a responsabilidade de cada um nisso. Essa definição de homicídio por dolo, dolo eventual ou culposo é que vai ser o grande desafio da área criminal", disse.

Originalmente a CPI tinha 180 dias de prazo, mas o comando da comissão resolveu reduzir para 120. O calendário é apertado, considerando que algumas comissões trabalharam até um ano no Congresso.

O ritmo também é desalentador. Em 20 dias, de 24 de abril a 13 de maio, não houve nenhuma reunião. Desde sua instalação, em março, ocorreram apenas nove sessões de trabalho – uma décima foi gasta com eleição e instalação.

Mantido o atual ritmo, restariam, segundo as contas dos parlamentares, apenas seis ou sete reuniões pela frente, já que o relator estabeleceu o dia 2 de julho como a data para entrega do relatório final.

Até agora a CPI não fez a análise da quebra dos sigilos de emails dos principais envolvidos nem deverá fazê-lo, já que a relatoria optou por adotar os relatórios já feitos pelo Ministério Público Federal. A título de comparação, a CPI Mista do Cachoeira, de 2012, que investigou os negócios do empresário de jogos Carlos Cachoeira, obteve e analisou 12 mil quebras de sigilo.

Não é possível argumentar que há excesso de CPIs no Senado – a de Brumadinho é hoje a única em andamento na Casa. Pelas regras internas, poderiam ocorrer quantas reuniões fossem necessárias, mas a média tem sido de apenas uma reunião semanal.

Outro ponto que ficou em aberto foi a decisão, tomada no início dos trabalhos, de a CPI visitar cinco barragens, uma delas no Amapá. Segundo o relator, as viagens vão ocorrer até o final do prazo da comissão, e o agendamento depende da presidente Rose.

Um aspecto que atrapalha a CPI, segundo os senadores, é a sequência de medidas judiciais concedidas tanto pela Justiça comum quanto pelo STF (Supremo Tribunal Federal) para permitir que os investigados permaneçam em silêncio ao serem indagados pelos parlamentares – medida concedida em várias outras CPIs.

Tanto Carlos Viana quanto Rose e Kajuru falaram, nas reuniões da comissão, sobre as dificuldades de tomada dos depoimentos. "O STF concedeu habeas corpus a quase todos. Alguns quebraram essa resistência e falaram. [...] Os depoimentos ferem de coração o compromisso que se tem de falar a verdade. É vergonhoso ouvir os depoimentos que foram lá prestados. É uma troca de responsabilidades sucedâneas. Onde ninguém tem culpa", afirmou Rose no plenário do Senado.

O relator Carlos Viana diz considerar que a CPI está cumprindo os objetivos a que se propôs desde o início. "Estamos fazendo a compilação de 41 projetos que estão tramitando na Câmara e no Senado sobre mineração, barragens e assuntos diversos. E vamos trabalhar em conjunto com a Câmara", afirma. "Na questão da legislação, nossa ideia é propor uma regulamentação totalmente nova para as barragens de rejeito no Brasil."

"Na parte criminal estamos seguindo [os trabalhos do Ministério Público e da polícia]. A questão do homicídio, se doloso ou culposo, vamos aguardar a definição dos inquéritos. Mas na legislação já achamos uma série de falhas que levaram ao desastre", disse.

As dificuldades da CPI no Senado não impediram que a Câmara dos Deputados instalasse, no último dia 25, sua própria CPI do Rompimento da Barragem de Brumadinho. É a segunda em andamento na Casa na atual legislatura.