Há uma guerra cultural, diz William Waack sobre disputa presidencial; confira entrevista

Em entrevista ao Diário do Nordeste, jornalista analisa que embate entre PSL e PT dividiu o Brasil mais em torno de valores, e não em programas de governo

Escrito por Sérgio Ripardo ,

Com 49 anos de profissão, o jornalista e apresentador paulista William Waack, 66, que assina coluna às quintas-feira no Diário do Nordeste desde a semana passada, atribui a onda Bolsonaro a uma "guerra cultural" no País, que "veio para ficar".

A uma semana do segundo turno, como você está vendo a polarização entre direita e esquerda? Já dá para arriscar um placar final desta disputa?

As pesquisas são mais ou menos claras: indicam Jair Bolsonaro como vencedor das eleições. Não há disparidade entre os institutos. Confirmando-se o que as pesquisas indicam, ele seria vencedor no dia 28 de outubro com confortável folga. Me parece que isso é o consenso geral.

Se confirmadas as pesquisas, você acha que isso abala as estruturas institucionais do Brasil?

Acho que Jair Bolsonaro está surfando uma onda que nem foi ele que criou. Essa onda é caracterizada por uma demanda por parte do eleitorado de alguém que simbolize de fato uma ruptura com o que o eleitorado parece absolutamente farto, que é o sistema político em geral, os partidos, e aquilo que o eleitorado considera que é a maneira de fazer política no Brasil. É um fenômeno social, mas é também um fenômeno cultural, porque uma boa parte dessa onda é evidentemente antissistema, isso arrasou todos os políticos e os partidos identificados com o sistema, incluindo o PT. Isso é um componente dessa onda.

Outro componente dessa onda é de uma guerra cultural. Boa parte desse embate político que dividiu fortemente o País se dá em torno de valores, e não tanto em torno de programas ou plataformas específicas para resolver essa ou aquela outra questão. Esse embate veio para ficar. Ele arrasou o que a gente pode chamar de "segmento central do eleitorado". E parece ter encontrado na figura do Bolsonaro um símbolo e uma grande parcela de pessoas que se achava sem voz e sem participação;  é um fenômenosde enorme importância no espectro político brasileiro.

Em um eventual governo do PSL, de que maneira o Brasil vai se inserir no cenário internacional?

Eu acho que há dois aspectos importantes a considerar  em relação à inserção internacional do Brasil em um eventual governo Jair Bolsonaro - sublinhando a palavra "eventual", considerando que as pesquisas estejam corretas.  Bolsonaro vai enfrentar dois tipos grandes de dificuldades lá fora: primeiro, a própria imagem dele. A imprensa internacional, em sua imensa maioria, é hostil a  Bolsonaro. Se a imprensa internacional tem razão em ser hostil, não importa. O fato a ser considerado é que é um candidato que vindo a ser presidente terá grande hostilidade por parte dos órgãos de imprensa internacional e não apenas aqueles órgãos tradicionalmente identificados com plataforma de esqueda, ou social-democrata ou o que seja. 

O segundo aspecto de um eventual governo de Jair Bolsonaro tem a ver com a profunda transformação da ordem internacional. Essa transformação se caracteriza pelo enfraquecimento de instituições multilaterais, sobretudo no âmbito do comércio, que até agora foram uma característica importante dos últimos 70 anos, desde o final da Segunda Guerra Mundial. E uma das potências que trabalham mais para que esse sistema internacional se dissolva são os próprios EUA, o que coloca o Brasil  sob Bolsonaro ou sob Haddad, tanto faz,  diante de um desafio  muito grande: onde se encontrar?  No momento em que as relações internacionais, tais como a gente as conheceu nos últimos 70 anos, estão mudando no sentido de mais instabilidade, menos previsibilidade, em um cenário econômico que, se não é prejudicial ao Brasil, não será tão benéfico como foi  10 anos atrás.

Pelo o que você já leu sobre o programa econômico de Bolsonaro, as opiniões de Paulo Guedes, tenderia a ser um governo desenvolvimentista ou seria um Brasil mais importador de bens, com uma desindustrialização ainda mais acentuada? Privilegiaria as importações ou o desenvolvimento da indústria nacional e as exportações?

Acho que isso não é uma opção que está diante dele nem de ninguém. A única chance de o Brasil tem de gerar prosperidade, sair da situação em que se encontra, que é muito negativa e perigosa ­- o Brasil está na armadilha da renda média,  conseguiu chegar a um nível de rendimento per capita médio do qual ele não sai, a nossa distância para  as economias mais avançadas não está diminuindo, está igual ou está aumentando. Isso  é o resultado de nossa baixa produtividade, da baixa capacidade de competição internacional da economia brasileira como um todo.  


O desafio para o Bolsonaro, para o Haddad, ou quem você quiser no lugar dele, de tornar a economia brasileira mais avançada, mais competitiva, mais produtiva, isso requer que a nossa economia se abra, que o País se integre de maneira mais intensa com as principais cadeias produtivas internacionais,  significa ampliar nossas relações comerciais,  significa melhorar nossa infraestrutura, significa investir pesadamente em qualificação e preparação da mão de obra. Então, o  problema da economia do Brasil não é exportar ou importar mais, é ser melhor.

Como Bolsonaro se relacionaria com o continente europeu, importante mercado para nosso agronegócio?

O Brasil não tem outra saída senão explorar ao máximo seus contatos comerciais com qualquer bloco comercial, em qualquer região, o mais rápido possível. 
No caso do bloco europeu, o  que dificulta muito qualquer tratativa brasileira é a maneira como estamos amarrados com o Mercosul, que deixou de funcionar como gostaríamos que funcionasse.  Qualquer presidente brasileiro,  Bolsonaro ou não Bolsonaro,  tem o desafio imenso pela frente, que é rearranjar as relações comerciais brasileiras caracterizadas hoje pelo isolamento,  quando todos os outros vizinhos nossos, especialmente os vizinhos nossos que estão no oceano Pacífico ­­- Chile, Peru, a Colômbia, pegando mais ao norte,  que é um caso especial, mas não pode ser desconsiderando que é o México. Todos eles estão rearranjando em termos de tratados comerciais . O Brasil ficou pra trás. Para tornar nossa situação ainda mais complicada, nós temos um país com o qual nossas relaçoes comerciais e econômicas  são muito intensas , que é a Argentina,  passando por crise fiscal horrorosa, que é uma espécie de aviso pra nós também: os argentinos de um forma ou de outra acabam sempre parecendo pra nós como  "olha pra mim porque eu vou ser você amanhã"

Como é essa experiência de colunista de jornal impresso?

É a terceira vez que eu trabalho para o Estadão na minha carreira de 49 anos de profissão. Eu tenho uma ligação afetiva enorme com o Estadão: meu padrastro foi diretor de redação, diretor de opinião do Estadão durante quase 50 anos, professor Oliveiros Ferreira (1929-2017), foi um dos grandes nomes da história do jornal. Tem sido uma experiência extraordinária, porque o jornal é conhecido sobretudo pela qualidade da opinião e pela larga estrutura de informação de  qualidade e de respeito. Associar meu nome a um nome como o "Estado de São Paulo" tem sido muito positivo.

Quanto à coluna em si, minha ideia é que ela não seja uma coluna que perca a relevância algumas horas depois de ter sido publicada, o que acontece normalmente no jornalismo diário. A minha perspectiva nos textos que escrevo é que eles perdurem mais do que o período de 24 horas de um jornal, e que elas tenham um pouco mais de abrangência em relação ao que elas se referem  e em relação, que é uma ambição minha, em relação ao que elas possam ajudar o leitor a antecipar o que vem.