Em 130 anos da República, Ceará passou de província à força regional

Estudiosos lembram a trajetória do nosso Estado desde o fim dos tempos de monarquia, em 15 de novembro de 1889. Abolicionistas, intelectuais ligados à maçonaria e militares foram líderes de manifestos pró-República no Ceará

Escrito por Alessandra Castro , alessandra.castro@svm.com.br
Legenda: Av. Tristão Gonçalves, em Fortaleza, na passagem do século XIX para o século XX
Foto: Foto: Arquivo Nirez

Há exatos 130 anos, o Brasil deixava de ser um império para se tornar uma República, após um golpe de Estado político-militar, liderado por marechal Deodoro da Fonseca para destituir o imperador Dom Pedro II. Em 1889, no Ceará, os ares provincianos e as fortes secas que atingiram o Estado durante o século XIX – disseminando boa parte da população conforme estimativa de censos realizados no período – fizeram com que movimentos políticos pouco prosperassem diante da preocupação do povo com a subsistência, numa tentativa de driblar a fome e a pobreza.

Apesar disso, movimentos republicanos ocorriam em importantes cidades do Estado, principalmente em Fortaleza, já elevada à posição de Capital do Ceará desde 1726. De acordo com o professor do curso de História da Universidade Federal do Ceará (UFC), José Pinheiro, intelectuais, a maioria deles abolicionistas e ligados à maçonaria, e militares foram os principais líderes de manifestos pró-República no Estado.

“No Ceará, além de tenente Benévolo, nós tínhamos um grupo muito forte ligado à maçonaria, como João Cordeiro, Antônio Bezerra, atuando pela derrubada da monarquia. A maçonaria teve um papel muito forte no País inteiro, porque a República foi instalada com uma visão positivista, com a ideia de que o progresso estava ligado a educação”, explica.

No entanto, o professor explica que, mesmo com movimento relevante na Capital, o Ceará não foi um Estado com muita contribuição política para a proclamação da República como Rio de Janeiro, São Paulo, Pernambuco e Bahia, que tinham movimentos expressivos pelo fim da monarquia. A seca, o analfabetismo, a pobreza e a crise na cotonicultura (cultivo de algodão) foram fatores que contribuíram para esse distanciamento da população com movimentos nacionais, por prejudicar a situação econômica da região e enfraquecer a sociedade.

“Após vários períodos de seca no século XIX, a população do Ceará diminui drasticamente. Em 1872, nós tínhamos em torno de 700 mil habitantes no Estado e, após a seca de 1877, essa população diminui em quase 300 mil pessoas, tanto pela fome como pela imigração. Elas estavam preocupadas com a própria sobrevivência, porque a maioria da população era pobre”, relata.

Mudanças demoradas

O cientista político e também professor da UFC Cleyton Monte recorda que, mesmo após a proclamação da República, as mudanças, principalmente sociais e políticas, demoraram a ocorrer de forma efetiva no Ceará. 

“A gente está falando de uma sociedade rural, com uma taxa de analfabetismo de quase 85%, dominada pelo coronelismo e oligarquias. Então, após a proclamação, isso permaneceu ainda por um bom tempo. Até hoje, a gente tem coronelismo e oligarquias dominando a política. É algo que ainda perdura, não só aqui como no Brasil”, ressalva o especialista.

Cleyton conta que essas tradições político-familiares no Estado e no cenário atual do País ocorrem até hoje por conta da nossa história. Ele relembra que, mesmo após a proclamação, o poder político continuou na mão de oligarquias, porque os que tinham direito ao voto eram pessoas alfabetizadas, consequentemente com melhor poder econômico. 

“O voto só se tornou universal com a Constituição de 1988. Antes, apenas pessoas alfabetizadas podiam votar. As mulheres só conseguiram direito ao sufrágio em 1945. Na época do império, ele era censitário, só votavam os que tinham dinheiro”, conta.

O cientista acrescenta, ainda, que os índices de alfabetização e de saúde melhoraram significativamente no Estado apenas após a redemocratização (depois de 1985). “O primeiro hospital de alta complexidade foi construído no governo do Tasso Jereissati, primeiro governador do Ceará depois da Constituição de 1988. A educação do Estado começou a se destacar por volta de 2008 e há mais de 10 anos nós permanecemos com bons índices”.

Cleyton destaca, ainda, que, no período da ditadura militar (1964-1985), apesar da alta repressão, o Estado teve grandes avanços, embora atrasado quando comparados com outros entes federativos. No período, o Estado começou a fornecer energia elétrica para vários municípios do interior, criou o terminal de passageiros do aeroporto – o que permitiu um maior turismo na região – e atraiu mais indústrias.

Crises da República

A instabilidade política no País durante os 130 anos, com diversas intervenções militares, fez com que a República tivesse mais períodos de crises do que de “normalidade”, conforme aponta Cleyton. No entanto, ele salienta que, mesmo com falhas, hoje, nós temos uma democracia efetiva.

Para ele, a polarização política no cenário nacional é normal na nossa República quando há uma “transição de governo”. “Nós tivemos desgastes de um ciclo, que foi o lulismo. E é muito difícil, no Brasil, pela nossa própria história, ter uma transição de um ciclo para o outro de uma forma pacífica, estável”, conclui.