Umas e outras e o gole do santo

Apesar de haver defendentes do costumeiro uso do “gole do santo”, prática de cachaceiros nas bodegas, como originário da libação, este não é o motivo do artiguete. Menos, ainda, o afirmar que o colonizador português trouxe a usança para o Brasil.

Assim, afastemos gregos e romanos. Homero na Ilíada e Petrônio no Satyricom. E, até citação bíblica, naquele ritual de derramar vinho, perfume e água nos altares ou no chão, em oferenda aos deuses.

O tema surgiu de animado bate-papo com um hoje grande empresário e, nos anos setenta do século passado, proprietário de conhecido depósito distribuidor de bebidas no Estado.

Esse amigo, cujo nome preservo, sempre gostou de anedotas e fatos curiosos e solicitou dos vendedores, quando de visitas comerciais às mercearias suburbanas, observar acontecimentos incomuns relativos à cachaça e aos consumidores. Dentre vários colhidos e anotados, o “gole do santo”, hábito da maioria dos beberrões antes de ingerir a aguardente, jogando um pouco no piso, obteve destaque. Registrei alguns deles, inclusive como titulados.

O religioso, antecipando o entornar do líquido, benzia-se a cada bicada.

Já o respeitador, nunca jogava fora porção da “malvada” e, indagado o porquê, afirmava que, por ser pecado, santo nenhum ingere.

Outro asseverava que o melhor estava na parte de cima e na de baixo, não podendo descartar a do meio.

Místico fazia-se um senhor idoso. Pedia o drinque, olhava-o, puxava a medalha pendurada no pescoço, beijava-a contrito e, em seguida sorvia-o. 

Havia um, dito ateu, não fazedor da oferta por razão óbvia.

Porém o que mais chamou a atenção foi um beberrão inveterado, frequentador das manhãs e desfrutador de dose dupla. Passou a entrar no bar, pedir a branquinha e despejar toda no pé do balcão. Explicou tal atitude porque abandonou o vício, mas não quis privar a entidade do ofertório diário.


Assuntos Relacionados