Torta em Berzoini

Este jornal noticiou o depoimento de Verônica Maria Rodrigues na Polícia Federal (Diário do Nordeste, 02/03/2004, Pág. 14), dando conta do inquérito instaurado para apuração do suposto crime de desacato, consistente em atirar uma torta no rosto do ministro Ricardo Berzoini, quando aquela autoridade esteve em Fortaleza, dia 11 de janeiro. Do ponto de vista político o inquérito, nas circunstâncias, interessa muito mais à autora do fato supostamente criminoso do que à vítima e ao governo, e do ponto de vista jurídico é uma inutilidade. Pura perda de tempo para as autoridades policiais, que podiam estar cuidando de questões mais importantes.

Embora à luz do elemento literal se possa dizer que o fato de que se cuida configura o crime de desacato, na verdade tal fato está longe de configurar o desacato como ilícito penal. Primeiro porque consubstanciou manifestação de caráter político, dirigida ao governante que vem pondo em prática exatamente o contrário daquilo que se podia esperar dele em face da linha política já tradicional do seu partido. Segundo, porque o gesto agressivo teve como razão as práticas do ministro da Previdência, cargo já não ocupado por Berzoini no momento em que se deu o fato. Terceiro, porque consubstanciou, como ato político, uma repulsa a atitude que o próprio ministro considerou indevida, tanto que pediu desculpas por havê-la adotado. Respulsa provocada, pois ainda que tenha tido a melhor das intenções o ministro adotou contra os velhinhos aposentados providência que realmente o fez merecedor de tal repulsa. E como ensina Magalhães Noronha “não se pode dizer desacatado o funcionário que provoca a respulsa ultrajante”.

A torta atirada ao rosto do ministro simbolizou a censura justa de um significativo segmento da sociedade à linha política por ele adotada no trato das questões previdenciárias, em especial a forma pela qual pretendeu fazer o recadastramento dos idosos aposentados do INSS. Não pode ser considerada uma conduta isolada de alguém que tenha pretendido menosprezar uma autoridade, ofendendo a Administração Pública. Consubstanciou conduta de conteúdo político. Manifestação eloqüente de insatisfação com o rumo tomado pelo Partido dos Trabalhadores depois de alçado ao mais elevado posto do poder político do País, em especial no que diz respeito à Previdência Social, cujo trato pelo atual governo corresponde exatamente ao oposto do que antes era preconizado.

A doutrina reconhece que a censura justa, mesmo que áspera, não tipifica o crime. Neste sentido manifestam-se, entre outros, Paulo José da Costa Jr. e Nelson Hungria. Mirabete, invocando o apoio da jurisprudência, assevera que “não se caracteriza o desacato por ausência do dolo específico se a ofensa constitui apenas repulsa a ato injusto e ilegal da vítima, que deu causa, assim, ao ultraje. Se indiciada, Verônica certamente será absolvida. E se condenada - hipótese que apenas para argumentar se admite - o povo nela verá simplesmente uma vítima do arbítrio e da prepotência.

Presidente do Instituto Cearense de Estudos Tributários