Sua Excelência, o juiz das garantias

O presidente da República Jair Bolsonaro sancionou, no último dia 24 de dezembro, a Lei 13.964/19, originária do projeto de lei intitulado pacote anticrime e que introduziu em nosso ordenamento jurídico a figura do juiz das garantias, inclusive contrariando o entendimento firmado pelo Ministro Sérgio Moro.

Ao contrário do que fora publicado em algumas notícias da imprensa nacional, o instituto do juiz das garantias não se trata de mais uma jaboticaba para atrasar e tumultuar a lenta Justiça brasileira. Muito pelo contrário, esse instituto fora objeto de amplos debates no Congresso Nacional e configura enorme avanço diante da ultrapassada legislação processual brasileira, cujo código entrou em vigor no ano de 1941 com nítido viés autoritarista. O novo modelo adotado no Brasil com base na separação das funções jurisdicionais de investigação e julgamento já existe em outros países, a exemplo da Itália, Portugal, Chile, Colômbia e Argentina.

Mas afinal, o que significa a introdução desse novo instituto no processo penal brasileiro? O juiz das garantias será responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos e garantias individuais, vale dizer, será de sua competência, dentre outras situações, decidir sobre os pedidos de prisões provisórias (preventiva e temporária), sobre requerimentos de interceptações telefônicas, quebras de sigilo bancário e fiscal, pedidos de busca e apreensão e quebras de sigilo de dados.

Pela sistemática anterior, o juiz que decidisse sobre quaisquer das questões acima ficaria prevento para julgar o mérito principal da causa. Justamente nesse ponto houve uma mudança radical no processo penal brasileiro, pois a partir da entrada em vigor da nova lei, o juiz que decidir sobre tais pedidos da fase de investigação ficará impedido de julgar o mérito, o qual será analisado pelo juiz da instrução.

Por certo, os juízes procuram ser coerentes e consistentes em suas crenças, ações e pronunciamentos, mas, como seres humanos que são, estão sujeitos a limitações e a paixões que podem comprometer a realização da justiça. Certamente, eles não estão isentos de, consciente ou inconscientemente, tomarem decisões equivocadas, preconceituosas e injustas.

Por exemplo, se o juiz, na fase investigativa, entendendo presentes os pressupostos (prova da materialidade delitiva e indícios de autoria) e um dos fundamentos da prisão preventiva, como a necessidade de garantir a conveniência da instrução criminal, vem a decretar a custódia preventiva de um acusado, tende a sentir desconforto ou angústia para depois admitir que o fato narrado não constitui crime ou que os indícios que justificaram a prisão por razoável período são frágeis e não permitem a condenação.

O mestre da Psicologia Judiciária Enrico Altavilla afirma que o investigador naturalmente se apaixona pela causa. Nesse sentido, o juiz pode ficar apegado à crença ou à opinião anterior, vindo a praticar ato ou a expressar ideias que não correspondem ao seu pensamento apenas para afastar a tensão entre as duas cognições contraditórias. Pode querer adicionar informações, ajustar sua compreensão e agir consoante seu entendimento anterior tão somente para manter a consistência e a coerência entre seus atos, preservando sua autoimagem. Daí a necessidade de afastar o juiz da fase investigatória do julgamento do mérito da causa.

Por fim, cabe registrar que a mudança da legislação não gera aumento da carga de trabalho dos magistrados, mas gera a necessidade de redistribuição das demandas, de modo que a solução para a efetividade do novo instituto restará plenamente viável diante da implementação do processo eletrônico e do rodízio de magistrados.

Os juízes procuram ser coerentes e consistentes em suas crenças, ações e pronunciamentos, mas, como seres humanos que são, estão sujeitos a limitações


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