Retaliação travestida de lei

Ninguém em sã consciência e que preza pelo Estado de Direito haverá de compactuar com abusos de poder. A legislação sobre a matéria, de 1965, está mesmo defasada e, portanto, convém modernizá-la. Entretanto, não se pode aceitar que o vazamento de supostos desvios de conduta de alguns poucos membros do MP e da magistratura seja usado como pretexto para promover retaliação contra as duas instituições, atingindo também outros órgãos, como as polícias. Está acontecendo aqui o que se deu na Itália, quando a classe política reagiu contra a Operação Mãos Limpas.

Fazendo de conta que a lei se destina a todos os agentes públicos, quase a integralidade do projeto, parece feito sob medida para alcançar profissionais envolvidos em investigações de combate à corrupção e à criminalidade organizada. Vale lembrar que, para muitas situações, o sistema de justiça já possui seus mecanismos próprios com vistas a corrigir exageros ou má aplicação da lei.

Ao definir os crimes, o texto faz uso de expressões e termos jurídicos vagos e imprecisos. O efeito desejado é o de gerar insegurança jurídica. Na prática, torna-se inviável investigar, algemar, prender e até mesmo condenar alguém, principalmente se esse alguém tem condições de custear uma boa defesa. Assim, seu propósito real é o de perturbar e inibir a atuação de membros do MP, da magistratura e das polícias no enfrentamento, principalmente, da criminalidade do colarinho branco e facções criminosas. Trata-se, enfim, de uma verdadeira mordaça. 

Não se pode ignorar a necessidade de reprimir abusos de agentes públicos, seja quem for, no exercício de suas funções. Entretanto, é indispensável promover um debate público transparente, em vez de aprovação em votação simbólica, e explicar para o cidadão brasileiro que, tal como posto, o projeto é um muro que, ao invés de coibir os abusos, protege certos criminosos e os deixa mais à vontade com seus crimes.


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