Restituição do Imposto de Renda

Conforme noticiou a imprensa, a União Federal vai mesmo atrasar a restituição do imposto de renda de alguns contribuintes para aumentar a receita do Fundo de Participação dos Municípios - FPM- (fonte: jornal Folha de São Paulo de 08/08/03, seção Folha Brasil, reportagem ´Crise dos Municípios´), e assim, poder repassar mais verbas para cada um dos Municípios brasileiros. O motivo ou o fim pelo qual ocorrerá o atraso é indiscutivelmente nobre, já que a autonomia financeira dos Municípios é de grande importância para a descentralização do poder e, em conseqüência, para a Federação brasileira, nos moldes em que prevista pela Constituição Federal. Todavia, por mais justificável que possa parecer o motivo do atraso, não se pode deixar de fazer críticas a esse modo de agir da União Federal.

Em verdade, considerando que o Brasil é um Estado de Direito, e considerando que, nos termos da Constituição, todo ato da Administração submete-se aos princípios da moralidade e da proporcionalidade, é evidente que a necessidade de aumento do FPM não justifica o atraso na restituição do Imposto de Renda.

E o atraso fica mais injustificável quando se observa que a redução na arrecadação do Fundo de Participação dos Municípios, além de dever-se, em parte, à retração na economia, deve-se também ao fato de a União Federal estar utilizando a manobra de aumentar a própria receita através da majoração e criação de contribuições, quando deveria aumentar e criar impostos. Como se sabe, nos termos atuais da Constituição, os demais entes da Federação somente participam da receita arrecadada com impostos federais e não com as contribuições. Ou seja, a redução no valor arrecadado pelo FPM é culpa também da União Federal. Agora, como não pretende responsabilizar-se pelos próprios atos, retira de terceiro, no caso, o contribuinte, parte do valor que ela mesma deveria reembolsar.

Há ainda outra consideração a ser feita em relação a esse atraso na restituição: será que, em relação ao contribuinte, a União Federal utiliza o mesmo raciocínio segundo o qual o descumprimento de uma obrigação deixa de ser conduta de elevada gravidade em face da finalidade nobre que motiva tal descumprimento? Facilmente, pode-se responder a esse questionamento com um simples e redondo não. Com efeito, não obstante se ache no direito de não cumprir com suas obrigações ao fundamento de que existe um fim nobre que justifica essa conduta, a União Federal pune com a severíssima pena de privação de liberdade o contribuinte que deixou de pagar tributo porque teve de pagar seus funcionários. Tanto é assim que muitos empresários que estão em situação econômica difícil e têm de optar entre recolher contribuição previdenciária ou pagar o valor líquido de sua folha de salários e adotam essa última opção, recebem como punição, além de uma elevadíssima multa, um possível tempo de permanência na cadeia. A pena não poderia ser mais grave.

Como se vê a moral da União Federal em relação ao contribuinte é assim: ´eu, União, estou devendo a você contribuinte, porque peguei o seu dinheiro para pagar uma outra dívida que tinha, quando for possível pago de volta, mas, evidentemente, não pagarei multa nenhuma pelo atraso, apenas os juros, porque esse atraso é por uma justa causa. Agora, é o seguinte: não ouse me dever, não importa por que motivo seja. Se por acaso isso ocorrer você vai ter que pagar corrigido, terá de suportar elevadíssima multa e, se ainda assim não houver pagamento imediato, você vai ter de ficar preso, até decidir pagar´. Essa, sem dúvida, não é a moral de um Estado que se pretende ´Democrático de Direito´, nem que supostamente pretende assegurar a todos a igualdade perante a lei.

Raquel Cavalcanti Ramos Machado
Advogada e membro do Instituto Cearense de Estudos Tributários