Raposa velha dos dentes furados

Madrugada em dia dos anos sessenta, século passado.

Meu pai, Abel Alves Pinto (1912 – 1985), contador, professor de Matemática, História e ex-diretor do Colégio São Luís, exercia mandatos de vereador de Fortaleza, tendo sido também secretário Municipal de Administração e presidente da Câmara Municipal, telefonou-me.

Estava ao fim à última sessão extraordinária da data e, como somente usava ônibus nos deslocamentos (“quem não utiliza ônibus não conhece os problemas do transporte público”, afirmava), pedia-me buscá-lo, pois não mais havia aquela locomoção no adiantado horário.

Usei minha Rural Willys e dirigi-me ao início da Rua Barão do Rio Branco, onde o Legislativo Municipal era sediado.

Ali, o conhecido vereador José Barros de Alencar (1921 – 1984), muito amigo nosso, aguardava condução e tinha dificuldade de contato com o motorista. Convencemos-lhe a aceitar oferecimento de carona e, em seguida, rumamos para sua residência no antigo distrito de Messejana.

Sempre alegre e espirituoso nas conversas e experiências da política, durante o trajeto, contou acontecimentos sérios e hilários da época.

Ao nos despedirmos, no aperto de mãos dele e papai, ouvi-o dizer, algo parecido ao seguinte: “Abel, você foi preciso na exposição e defesa da matéria, contrariando a interesses pessoais! Principalmente os de uma ‘velha raposa dos dentes furados’. Gostei e juntei voto ao seu”.

No caminho de Messejana ao de nossa casa, indaguei ao meu saudoso e inesquecível mestre o que significava o dito e ele, simplesmente, disse ser “coisa do Barros, pergunte-lhe”. E o fiz, em oportunidade tempo depois.

Explicou-me aquele grande benfeitor da terra do romancista José de Alencar, que no interior, o caboclo diz que se alguém é mordido por raposa velha e o animal tiver os dentes podres, não tem cura. Sofrerá de raiva, loucura e, até, morte.


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