Prisão: STF acertou?

Desde a Constituição Federal (CF)de 1967, há 52 anos, sem questionamentos, o STF admitia a prisão após a confirmação de condenação criminal por um Tribunal, assim prosseguindo na vigência da CF/1988 e até o início de 2009, quando mudou de entendimento por causa dos “mensalão” e “petrolão”, que envolveram os grandes criminosos da Nação.

Sete anos depois (fev.2016), com os votos de Teori Zavascki, Roberto Barroso, Luiz Fachin, Luis Fux, Cármem Lúcia, Dias Toffoli e Gilmar Mendes, o STF voltou a permitir a prisão após a 2ª instância, sob o argumento de que as instâncias superiores se transformaram, na prática, em 3ª e 4ª, com dezenas de recursos protelatórios que impediam o fim dos processos, ocasionando impunidade, ocorrendo uma indiscutível “mutação constitucional” e também porque o REsp (Recurso especial) no STJ, e o RE (Recurso) no STF, além de não ensejarem reexame de provas, não têm efeito suspensivo.

Os ministros Toffoli e Gilmar Mendes, que eram a favor da prisão em segunda instância, agora, em 07/11/2019, nas ADCs (Ação Declaratória de Constitucionalidade) 43, 44 e 54, sem qualquer alteração da legislação, da Constituição ou de nova “mutação constitucional”, mudaram e passaram a proibir a referida prisão. Gilmar Mendes contrariou o próprio livro que escreveu.

Esse tema de prisão é tratado no art. 5º da CF, não apenas no LVII (que trata do trânsito em julgado - presunção de inocência), mas nos LXI (permite a prisão por ordem judicial fundamentada) e noutros em que a Constituição exige rigor no tratamento penal: XLIII (são crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia à prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos); XLII (a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível); XLIV (constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático).

Conforme Hans Kelsen, a norma jurídica permite mais de uma interpretação válida, salvo a odiosa “forçação de barra”. Ademais, além de não existir nenhum direito absoluto, não é razoável se fazer uma interpretação totalmente literal apenas do LVII (que trata da presunção de inocência - trânsito em julgado). Destarte, o art. 283 do CPP (Código de Processo Penal) há de ser interpretado sistemicamente, com todos os incisos do art.5º e outros princípios da CF.

Para não aceitar a prisão de réu condenado por crime gravíssimo e confirmada em 2ª. instância, é incoerente o argumento de que a prisão jamais devolve ao preso a liberdade perdida, se ele for recolhido antes do trânsito em julgado da sentença condenatória porque, igualmente, a mesma liberdade também nunca será devolvida nos casos das prisões temporária ou preventiva.

Conforme os ministros Barroso e Fux, o “fundamento da prisão” não é o “trânsito em julgado”, mas sim a decisão judicial condenatória confirmada na 2ª. instância, já aí, em “caso concreto” de culpa duplamente comprovada, e apenas em crime gravíssimo, o que não justifica aguardar decisão final do STF no qual, em mais de 25 mil recursos extraordinários, em 7 anos, apenas em 9 casos houve absolvição.

Dentre as consequências dessa nova mudança de entendimento do STF, está o fim da Lava Jato e o efetivo combate à corrupção institucionalizada no Brasil.

Como na prática, a decretação da prisão preventiva é muito difícil de ser aceita pelo STF, mormente diante da nova e absurda lei de Abuso de Autoridade, os cidadãos optarão por fazerem “justiça pelas próprias mãos”, por não esperarem 20/30 anos pela Justiça criminal, conforme a ministra Cármem Lúcia. E a PEC em curso tanto no Senado como na Câmara, que confirmará a prisão em 2ª. instância, além de difícil e demorada a sua aprovação, parte do atual STF dirá que ela viola cláusula pétrea. Aguardem.

Como o STF muda muito, causando insegurança jurídica, e após soltos os grandes condenados, a solução poderá retornar somente em 2020, com o ministro Fux na Presidência, e com a nomeação de novo ministro, e aí, voltando o 6x5 e, em 2021, com mais outro, poderá estabilizar a sua jurisprudência em 7x4.

Agapito Machado

Juiz Federal e professor da Universidade de Fortaleza