Lembrando o óbvio: somos humanos e é normal ficar triste

Opinião da psicóloga Maria Camila Moura, mestre em Psicologia e doutoranda em Saúde Pública

Muitas pessoas desconhecem que não faz muito sentido falarmos em emoções “boas” ou “más”. O que há são emoções funcionais ou disfuncionais, ou seja, emoções adequadas ou não ao contexto. É normal, e saudável, que uma pessoa fique triste diante de um cenário triste como o que estamos vivendo. Nossa sociedade vive o chamado "imperativo da felicidade" em que as pessoas se sentem impelidas a estarem sempre bem, sorridentes e dispostas o tempo inteiro. E isso sim não é normal. A tristeza, a raiva, a indignação fazem parte de um repertório NORMAL do ser humano.

O sofrimento psíquico é coletivo na atualidade, a dor é coletiva. E se alguém não sente minimamente essa dor, esse alguém não está devidamente inserido na coletividade, o que é algo problemático e até perigoso.

Me chama atenção que nos últimos dias a pergunta que mais tenho recebido é "como ficar bem nesses tempos que estamos vivendo?". Eu sempre paro, respiro e me questiono se a pessoa entendeu a própria pergunta, se não foi apenas um erro em sua formulação.

Ficar bem? Se alguém conseguir ficar bem apesar de uma pandemia, apesar de países terem fechado suas fronteiras, de mortes estarem acontecendo, apesar de microempreendedores estarem falindo, profissionais autônomos estarem desesperados; se alguém ficar 100% bem sabendo que nosso sistema de saúde sabidamente não comportará o número de pessoas adoecidas caso o avanço do COVID-19 não cesse, sabendo que nossos pais e avós estão vulneráveis, sabendo que falta álcool em gel nas prateleiras...

Enfim, se alguém ficar inteiramente bem apesar de tudo isso, essa pessoa não entendeu nada, provavelmente está desumanizada, perdeu a capacidade de empatia, está desconectada do âmbito social e isso é problemático.

Podemos sim conversar em outra oportunidade sobre como minimizar o mal-estar diante das contingências atuais, sobre estratégias de enfrentamento para os próximos dias tão cheios de incertezas e elucidar ferramentas viáveis para minimizar nossa dor. Porém, "ficar 100% bem"? Faça-me o favor... Em tempos de imperativo da felicidade nos cabe lembrar o óbvio: somos humanos e é normal ficarmos triste.

Maria Camila Moura
Psicóloga, Mestre em Psicologia e Doutoranda em Saúde Pública.
CRP: 11/09333

 


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