O poderoso ato de ler

A tensão do período eleitoral corrente se dá, entre outras questões, pelo choque de demandas e projetos políticos que visam atendê-las. A crise econômica está longe de ser o único problema que o País precisa solucionar. Neste momento hostil, há quem parta para a ação, mas não no sentido do embate de partidos, ideologias e seus apoiadores. É o caso das pessoas engajadas em iniciativas que promovem a leitura, como aquelas que mantêm bibliotecas comunitárias.

Na Capital, temos iniciativas como a da Biblioteca Comunitária Livro Livre Curió. Fundada pelo poeta e produtor cultural Talles Azigon, ela se localiza no bairro cujo nome ficou marcado por uma chacina, em 2015. O lugar é aberto às pessoas da comunidade e mantém um acervo diverso, com obras literárias e acadêmicas. Outra iniciativa, a Biblioteca Viva Barroso foi criada e funciona no local próximo ao de outra chacina recente, a das Cajazeiras. Na Sabiaguaba, está localizado um terceiro espaço cultural, a Casa Camboa Biblioteca Comunitária.

Todas estas bibliotecas funcionam em espaços que carecem de equipamentos culturais e se firmam como pontos de encontro para leitores de todas as idades. Concebidas por moradores, são experiências exemplares de ações da comunidade em prol daqueles que fazem parte dela. São investimentos inscritos no presente, pois já atendem seu público e oferecem a eles alternativas à realidade adversa de seu cotidiano. No entanto, os efeitos de sua presença também devem ser esperados a médio e longo prazos.

A cultura não costuma figurar entre as prioridades da maioria dos postulantes das Eleições de 2018, tampouco aparece em pesquisas que identificam as principais preocupações dos cidadãos. Os brasileiros estão mais atentos à segurança, à saúde e à corrupção. Contudo, o acesso a bens culturais e, em especial, à leitura se constitui como importante ferramenta de fortalecimento da cidadania. Sua carência não é facilmente intuída, mas suas consequências são bem conhecidas: favorecem a tomada de consciência de direitos e deveres; e, assim, acabam por exercer influência positiva sobre outras esferas da vida social.

Livros, revistas, jornais e demais suportes de leitura são canais de informação e de formação. Ler exige um exercício de interpretação, de se apropriar do texto para compreender as intenções do autor. Interpretar, por sua vez, estimula o raciocínio e a reflexão crítica. Tais exercícios capacitam o leitor a transitar num ambiente, como o do tempo presente, com uma quantidade excessiva de informação. A experiência ajuda a escolher melhor o que e quem se lê. Servem, portanto, como proteções contra a desinformação - essencial em tempos de "fake news" e "fatos alternativos".

É documentada também a importância da leitura, sobretudo de obras de natureza ficcional, para estimular a empatia. Ao favorecer a imaginação, obras literárias são um convite a se colocar na posição dos personagens, figuras com experiências que são, frequentemente, radicalmente distintas daquelas que o leitor viveu em seu cotidiano.

"Ler é um ato de poder", lembra o escritor e bibliófilo Alberto Manguel. Quem lê tem mais consciência de sua posição no mundo e a consciência é inimiga dos maus políticos. Não à toa, os regimes autoritários sempre se preocuparam e buscaram cercear este hábito entre aqueles que são subjugados.

Estimular a leitura entre seus pares é um ato político, do tipo mais necessário em tempos de incerteza, porque é livre de radicalismos e imune a polarizações.