O iter criminis do juiz

O “juiz de direito” que está preso, preventivamente, para a manutenção da ordem pública e aplicação da lei penal, além de ter agido como um magarefe, agora passa por uma crise de cinismo. Eis que ousou afirmar, por ocasião de seu interrogatório, que foi um “acidente” o fato de um pai de família, no exercício do seu dever profissional, ter sido por ele friamente assassinado. Disso se infere que, não fosse o circuito interno de TV ter gravado toda aquela abominável cena, hoje estaria ele, certamente, alegando “legítima defesa”.

Todavia, essa sua estratégia não é a das mais inteligentes. Pelo contrário. Pois, se ele deduz como “acidente” o fato da arma de fogo ter disparado à queima-roupa, que por moto próprio, deliberadamente, a colocou na nuca de sua presa após ter-lhe dado um golpe a fim de tirar-lhe toda chance de defesa, assumiu, no mínimo, o risco de produzir aquele resultado. A isso, o Código Penal chama de “dolo eventual” (art. 18-1). Diferente, portanto, da “culpa consciente”. Nesta, o agente, embora preveja o desiderato delituoso, espera, contudo, que o mesmo não seja completado.

No “dolo eventual”, não, o agente pode até não desejar a conseqüência criminosa tipificada na lei, porém, admite que a mesma venha a acontecer. Destarte, se quis o juiz alegar a seu favor a “culpa consciente”, não tem como provar ter tido um comportamento capaz de ostentar o seu recuo na consumação do hodiendo delito por ele perpetrado, posto que as imagens de TV não mentem. O que se viu delas foi o crudelíssimo juiz agindo, num estado de barbárie e de modo ininterrupto, até executar, de maneira sumária, o vigia.

Sendo assim, o juiz abatedor perseguiu todas as fases do iter criminis: cogitou, preparou, executou e, diante da constatação do óbito da criatura que a imolou em holocausto diabólico, não esboçou nenhuma reação de arrependimento, o que seria peculiar se não quisesse o resultado e nem tivesse assumido o risco de produzi-lo. Logo, o elemento subjetivo desse bárbaro crime é o dolo, ainda que eventual. O mais é falta de lecitina para encontrar uma tese plausível e assaz à sua defesa.

Francisco Ernane Teixeira Matias
Advogado