O futuro do passado

A tecnologia ampliou os canais de comunicação construindo novo cenário de diálogos e relações sociais. As pessoas manifestam ideias com mais intensidade, sobre mais assuntos; conversa-se mais, mas também com mais brevidade e superficialidade. Novos espaços de intimidade e sociais são alcançados, mas não necessariamente com a melhora da qualidade das relações. Além disso, a rede parece ter trazido inversão no papel dos espaços, com a publicização da intimidade, e falta de transparência do setor público com a pouca compreensão da sociedade sobre o processamento de dados. Dissabores e maravilhas acompanham afinal realidades disruptivas, como é o ciberespaço.

Para a democracia, são diversas as implicações que se descortinam. Se a educação para a cidadania já era necessária num ambiente menos complexo, torna-se mais relevante diante dos fatores introduzidos pelo diálogo cibernético.

A questão ultrapassa a análise da tolerância para o discurso, diante do ódio testemunhado nas redes, e relaciona-se a fatores antropológicos, históricos e sociais relacionados ao diálogo humano e à democracia.

Por mais eficiente que seja a rede cibernética para acelerar e ampliar a comunicação, é no mundo real que os laços humanos se fortalecem, através do uso dos sentidos no estabelecimento do diálogo. Por isso, os espaços virtuais, por mais amplos que sejam, jamais dispensarão a existência de praças públicas, ou de lugares de intimidade onde as pessoas possam efetivamente olhar-se e conversar vivenciando a ativação sensorial. O ágil universo dos bytes não substitui o calor das ruas e de encontros pessoais.

Nessa lógica, um governo, por mais alerta que esteja aos avanços tecnológicos, criando canais de comunicação virtual com os cidadãos, não poderá estar desatento a uma organização democrática da cidade, nem extinguir canais pessoais e órgãos deliberativos, onde o diálogo pode ser travado presencialmente.

Da mesma forma, deliberações e manifestações governamentais ou que impliquem escolhas na democracia não podem ser feitas em canais de comunicação como Twitter, Facebook ou Instagram em que a brevidade do espaço para o debate de ideias leva à superficialidade e a imposições arbitrárias.

Pequenos detalhes do diálogo, quando amesquinhados, paulatinamente tiranizam e tornam insensíveis o indivíduo e a sociedade.

No fio da história da humanidade, o passado será sempre um elemento a nos acompanhar. E diante de desafios do futuro, são os valores já consolidados os guias de tempos de incertezas e desnorteamento. Sustenta-se a relevância desses valores e gestos clássicos não para sermos guardiões de um mundo caduco, mas para celebrarmos e invocarmos a grandeza de algumas características humanas que não podem ser perdidas, como a habilidade de ouvir o outro antes de formar a própria opinião.

Raquel Machado

Professora de Direito Eleitoral da Universidade Federal do Ceará


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