O crime de não pagar tributo

Temos afirmado a importância dos conceitos na linguagem jurídica, posto que a maior parte das divergências entre juristas resulta do uso inadequado de conceitos. E a cada dia se faz mais forte a nossa convicção de que realmente muitos equívocos são cometidos, inclusive por eminentes julgadores, resultam da desatenção para o significado de palavras e expressões utilizadas na linguagem jurídica.

Em recente decisão do Superior Tribunal de Justiça, denegando o HC 399.109, temos um eloquente exemplo de desatenção para conceitos jurídicos utilizados em nossa legislação tributária. Nesse julgado, merece destaque o voto vencido, da ministra Maria Thereza de Assis Moura, que analisou com muita propriedade a questão, sustentando com toda razão, entre os fundamentos de seu voto, que o atraso ou descumprimento da obrigação de recolher tributo próprio não é crime, e que o Estado não pode valer-se do direito penal como instrumento de arrecadação.

Infelizmente, porém, a maioria dos ministros adotou o entendimento segundo o qual em nosso Direito existe o crime de não pagar tributo. Dever tributo e não pagar, embora tenham sido regularmente cumpridas todas as obrigações acessórias, seria um crime. Em outras palavras, teríamos no Direito positivo brasileiro o crime de não pagar tributo. No julgado em referência, no qual o Superior Tribunal de Justiça cometeu um evidente equívoco, os ministros integrantes da maioria desconsideraram que a vigente Constituição veda a prisão por dívida. E nem se diga que a prisão vedada é apenas a prisão civil, pois não é razoável admitir-se que a prisão civil é vedada mas a prisão penal, que é muito mais severa, é permitida.

Na verdade, em nosso Direito positivo é proibida a prisão por dívida, inclusive por dívida tributária. O simples fato de ser devedor não enseja a prisão, a não ser que se trate de pensão alimentar. Não se venha dizer que a definição do ilícito tributário como crime, com a Lei nº 8.137, de 27 de novembro de 1990, que trata dos crimes contra a ordem tributária, estabelece a prisão por dívida tributária.

Nos crimes em referência a fraude é elemento essencial do tipo penal. Se o contribuinte nada esconde, informa tudo ao fisco com exatidão, não comete crime nenhum, posto que oferece ao fisco todas as informações necessárias a que promova o procedimento cabível para a cobrança do tributo devido.

Infelizmente, a insegurança jurídica, decorrente da complexidade e constantes alterações de nossa legislação tributária, e a carência de prestação jurisdicional adequada, afastam os empresários de nosso País, impedindo nosso desenvolvimento econômico.

 Hugo de Brito Machado
Professor de Direito Tributário da UFC