O burro empacou

O progresso convive com as coisas primitivas. Não foi possível espancar da vida citadina cenas muito comuns na vida interiorana, tais como aquelas proporcionadas por animais soltos, por cães em procissão atrás de uma cadela solitária. E não só isso: o mato ainda toma conta das coxias, dos terrenos baldios e sem muros, morada privilegiada para ratos e humanos. E ninguém se incomoda nem adota providências.

É só olhar para casas onde ontem existia uma mansão, e hoje estão servindo para depósito de lixo, quando ali, bem próximo, se levanta um condomínio de luxo. Acolá, um varal, com vários tipos de multicoloridas roupas, pende da sacada de um apartamento, ou são estendidas em plena rua, rente ao muro de alguma residência. E ali ficam ao sol e à brisa até secarem. Mas não só esses fatos que devem ser registrados.

O progresso, com suas alimárias movidas a motor e a pneumáticos, convive, senão harmoniosamente, mas com disfarçada intolerância, com todo tipo de semovente - cavalos, burros com ou sem carroça, sem esquecer aquela cena diária dos apanhadores de material reciclável, quando o homem, desfigurado e maltrapilho, assume ele mesmo o velho e cansado papel de burro de carga. E no seu andar vagaroso de caçador de latas, faz-se surdo ao buzinar estridente dos carros, e continua sua marcha molambuda, em pleno asfalto das ruas, indiferente também aos insultos dos motoristas nos seus carrões impávidos colossos.

Dias desses, numa das avenidas majestosas da majestática cidade do sol - conforme noticiou a imprensa cearense - o trânsito parou em hora de pico e o buzinaço não respeitou tímpanos. Formou-se extensa fila de estressados condutores. O motivo para tamanho pandemônio foi um só: um burro, puxando uma carroça, empacou, e não ia nem pra frente nem pra trás. Foram ao dono e ouviram dele a mais cristalina verdade: o burro "empancou" e não quer andar.


Assuntos Relacionados