'Morte aos devedores'

No que pertine aos débitos tributários, entendo que as infrações devem ser repreendidas, mas a criminalização com a consequente penalização excessiva, inclusive daqueles que agem de boa-fé, apenas acirra a relação, já polarizada, entre fisco e contribuinte.

O Superior Tribunal de Justiça, recentemente, através do HC 399.109/ SC de lavra da 3ª seção de julgamento, vinculou a inadimplência a crime, embora não tenha sido julgado em sede de recurso repetitivo, vários estados têm utilizado referida decisão para "coagir" de forma (in)direta os contribuintes a pagarem seus tributos, notadamente o ICMS - Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - sob pena de serem denunciados por suposta apropriação indébita. 

Em época de crise, mais de cinco anos, diga-se de passagem, colocada pelo próprio Governo, o contribuinte tornou-se o grande "vilão". Penso que o STJ deixou de lado o Princípio da Intervenção mínima que permeia o Direito Penal, no qual este somente deve "agir" quando nenhum outro ramo do Direito resolva, o que não é o caso. A forma de cobrança, pouca coisa mudou da idade média para os dias de hoje; de fato, o termo execução continua atual. Com a singela diferença entre bala, a forca e o paredão de antes e a cadeia hoje. 

Aqui, surge a velha questão: até que ponto a Justiça exigida pelo credor é justa e não vingativa? Nietzsche rejeita buscar a origem da justiça no terreno do ressentimento, evitando "sacralizar a vingança sob o nome de justiça".

Nesta toada vemos sob a pecha de suposta legalidade, porém sem nenhuma legitimidade, para o caso da inadimplência, o castigo como cálculo reparador da infração, usando a esfera penal como meio arrecadatório e coercitivo forçando o contribuinte, por via transversa, ao pagamento de eventuais tributos em atraso. Eis a relação inquisitiva entre o pecador de outrora e o devedor de hoje. Ambos levados ao inferno dantesco.


Hamilton Sobreira
Vice-presidente da Comissão de Direito Tributário da OAB-CE


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