Izolete 90

Era madrugada alta, quando no meio do plantão, no Prontocardio, me chega, uma senhora com Edema do Pulmão. Suspiro de dor e de morte irrompem na quietude da noite escura. E nós nos debruçando, lutando, empurrando a morte para bem distante. Estávamos frente a uma tempestade da ciência médica que varre vidas e esperanças. Que sepulta sorrisos e alegria. Junto com a senhora quase moribunda, o seu filho Valdo.

Conheci-o nos tempos de estudante de Medicina, quando ficávamos felizes de receber uma amostra grátis. Valdo Santos fazia de sua profissão de representante farmacêutico um exemplo. Amado por médicos e estudantes, quando trabalhava no Instituto José Frota. Naquela noite tivemos sorte. A Dona Gracinha sobreviveu. Depois conheci o seu outro filho: Arimatéia Santos. Uma figura inesquecível, e as vezes inalcançável.

Em 1997 Regis Jucá me levou para o grupo dos sábados, no Country Club. Fui me envolvendo com pessoas interessantes na sociedade de Fortaleza. Arimateia vibrava com seu projeto de Guanacés. E Regis me pôs neste projeto do Ari. História de amor que se estendeu por mais de 22 anos. Em 1998 nos 70 anos, de Arimateia, conheci Izolete Resende. Cada vez ela me chamava atenção pelo silencio. Pela quietude de sua presença no meio desta família tão formidável. Uma família não muito numerosa. Mas a família de Nazaré também era diminuta.

E Maria era o silencio enternecedor. No templo de Jerusalém diante da profecia de Simeão. Disse poucas palavras em Caná da Galileia, quando Jesus iniciou sua missão transformadora. Foi silencio doloroso e solitário na beira da Cruz. Foi luz e foi fogo em Pentecostes. Izolete, ao longo destes 90 anos trilhou este caminho silencioso e produtivo. E deixou brilhar como zênite o seu grande amor: Ari. A janela da vida. Por ela e por ele, Ela vigiava o mundo. Nunca quis tomar a dianteira, caminhava ao seu lado. Nos momentos de gozo e de tormentos.

Em 2009, seu mundo, seu castelo de sonhos se desmoronavam. Perdia Ari, prumo e rumo. Desabava um Vesúvio de melancolia. Partiam-se os cordéis do tempo. Barcos destroçados. Porto em chamas. Juntou mastros arrebentados. As velas que sobraram, as cerziu com aurora de Fé. E pôs-se a navegar, entre mares de lagrimas e saudades. Não se perdeu neste mar de dor. E assim chegou até aqui. Izolete é a mulher puerperal de que fala Fernanda Montenegro. A mulher mesmo distante do parto, os seus seios espirram o leite de bondade. Nutre esta vocação materna que nunca se acaba. Útero fértil de ternura e Paz. Parabéns. 

José Maria Bonfim de Morais
Cardiologista e Teólogo


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